FEIJÃO-TROPEIRO
Feijão-tropeiro é um “trem” danado de bom! Desde sempre, ouvimos que ele é um prato mineiro, mas esta iguaria também está ligada a paulistas e goianos. A origem do nome vem do Período Colonial, época em que se carregava mercadoria no lombo das mulas, animais resistentes, resultantes do cruzamento de burro com égua e adequados para as longas viagens dos tropeiros, os quais, além do transporte de mercadorias, também realizavam o comércio de gado. Boa parte desses animais vinha do Sul, por meio de contrabando, comprado na Colônia espanhola de Montevidéu.
Ao longo do século XVIII, o tropeirismo foi incentivado pela própria Coroa Portuguesa, que proibia o desenvolvimento da pecuária e agricultura no Estado de Minas Gerais, para não atrapalhar a extração e o comércio do ouro. Com suas grandes tropas, os tropeiros desbravaram estradas, criaram novas rotas, promoveram a interligação de polos econômicos e contribuíram com a gastronomia. Na hora da boia, em uma panela em forma de disco, eles faziam o feijão, sem caldo, com ingredientes secos e resistentes ao tempo, como farinha de mandioca, torresmo, carne-seca, cebola e alho. Logo depois, eles coavam um “café”; na verdade, uma pinga.
Pensando na mineiridade, o norte de Minas tem clima, luminosidade e solo perfeitos, para produzir cana-de-açúcar. Capital Nacional da Cachaça, Salinas é o município que concentra o maior número de cachaçarias no Estado e no Brasil. As cachaças artesanais são feitas em alambique de cobre, em um processo de fermentação natural, bem mais lento e caipira do que o das industriais. A forma da colheita, a altura do corte, o tempo da produção, o local de envelhecimento, o tipo de tonel para armazenamento (umburana, bálsamo, jequitibá, ipê-amarelo e carvalho-francês), conforme o Diário do Comércio, são um conjunto de acertos que eleva a qualidade das cachaças mineiras.
Com licença poética, acrescentei ora-pro-nóbis na receita do feijão-tropeiro. Planta originária de Minas Gerais, é uma trepadeira que antigamente se alastrava, como cerca viva, em volta das igrejas mineiras, onde os escravos não podiam entrar. Então, eles pediam a seus senhores, que iam orar lá dentro: — “Ora-pro-nóbis” (que, em latim, significa “Rogai por nós”)! São tantos os benefícios desta planta, que ela é conhecida como “a carne dos pobres”. Recentemente, soube por uma amiga mineira, que, além da folha, pode-se comer até a flor.
Ingredientes para o feijão-tropeiro
300g de feijão-roxo jalo ou feijão-vermelho (grão grande)
200g de bacon
2 gomos de linguiça calabresa
5 ovos
sal
pimenta-do-reino
2 colheres (sopa) cheias de banha de porco
óleo
120g de farinha de mandioca
4 dentes de alho
2 cebolas
4 galhinhos de salsinha
4 galhinhos de cebolinha
10 folhas de ora-pro-nóbis (opcional)
Como fazer o feijão-tropeiro
Coloque o feijão de molho na água, meia hora antes de começar a cozinhá-lo. Cozinhe o feijão em uma panela de pressão; deixe-o ao dente. Reserve. O ideal é fazer toda a receita em uma única panela de ferro. Frite bem o bacon, cortado em cubinhos, com um fio de óleo. Reserve. Doure a linguiça calabresa em anéis, junto com meia cebola cortada à Julienne (de comprido). Reserve. Bata os ovos. Refogue-os com cebola, alho e os temperos. Reserve. Enrole a couve e corte-a bem fininha. Refogue-a no alho e óleo. Reserve.
Refogue o feijão sem a água, com banha. Acrescente cebola picada e o alho. Tempere. Ponha o bacon, a linguiça calabresa e a pimenta-do-reino. Se gostar, use também pimenta em molho. Coloque, aos poucos, a farinha de mandioca, para engrossar. Mexa. Acrescente o ovo e os verdes: salsinha, cebolinha e ora-pro-nóbis. Por último, coloque a couve. Mexa. Verifique se o prato está bonito, antes de ir à mesa. As pessoas comem primeiro com os olhos.
Para este prato, escolhi, para acompanhamento, arroz, milho cozido e banana, que, empanada e frita, fica mais gostosa; só não é mais fotogênica do que a banana in natura. Com torresmo bem crocante, fica o máximo!
Harmonização
Se gostar de cachaça, opte por uma mineira; mas, se for de vinho, sugiro a uva Syrah, também conhecida como Shiraz, uva das castas mais antigas do mundo, de origem francesa, que produz vinhos tintos elegantes, de coloração intensa. Além de na França, essa uva está presente em muitos outros países (África do Sul, Argentina, Brasil, Chile, Espanha, Estados Unidos e Itália). Harmoniza com os ingredientes do feijão-tropeiro, como bacon e linguiça calabresa.
Para compor esta cena, usei panelas e pratos da Slaviti Locações. Esta Coluna de Gastronomia é publicada na Revista Bem-Estar e veiculada no último domingo de cada mês.