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Vivendo com esclerose múltipla

SaúdeVivendo com esclerose múltipla
Diagnóstico e tratamento precoces são fundamentais para controlar os sintomas, retardar a progressão da doença e prevenir complicações graves e permanentes

Sobre o autor

A esclerose múltipla é uma daquelas doenças que transformam não apenas a rotina, mas também a maneira como uma pessoa enxerga o mundo — e a si mesma. Autoimune, crônica e imprevisível, ela pode parecer silenciosa no início, mas exige atenção e cuidado ao menor sinal de alerta. “Descobri que tinha esclerose múltipla em 2013. Um dos primeiros sintomas foi na visão: comecei a ver tudo duplicado com o olho direito. Depois, perdi cerca de 70% da audição, também no ouvido direito. Além disso, apresentei falta de equilíbrio, sentia muito cansaço e tinha bastante dormência e formigamento na perna direita. Não conseguia andar em linha reta e sempre me desequilibrava, caindo para o lado”, relata a influenciadora digital e artista realista Jéssica Lira Moreira dos Santos, de 29 anos.

Jéssica convive com a esclerose múltipla desde os 17 anos e usa sua presença nas redes sociais para mostrar que é possível enfrentar a doença com coragem, arte e autenticidade. Ela ficou conhecida nacionalmente depois que um vídeo gravado em um supermercado de Joinville (SC), onde trabalhava como operadora de caixa, viralizou. A semelhança com a cantora Sandy chamou a atenção, e a própria artista enviou uma mensagem de carinho, reconhecendo o talento e a história de superação da jovem.

O tratamento faz parte do dia a dia que ela compartilha com seus seguidores no Instagram, e o alcance de sua mensagem reforça um dos principais objetivos do Dia Mundial da Esclerose Múltipla, celebrado em 30 de maio: conscientizar a população sobre a doença e promover qualidade de vida para quem convive com ela. A data é uma iniciativa global que também busca estimular o avanço de pesquisas e tratamentos, na esperança de um dia encontrar a cura.

Segundo a Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (ABEM), mais de 2,8 milhões de pessoas convivem com a doença em todo o mundo — sendo aproximadamente 40 mil no Brasil. O diagnóstico costuma surgir entre os 20 e 40 anos, embora os sintomas apareçam em qualquer momento da vida.

O neurologista Renato Simões, especialista do Instituto de Neurologia Rio Preto e do Hospital Beneficência Portuguesa, explica o que acontece no organismo: “Nessa doença, o sistema imunológico, responsável pela defesa do organismo, ataca a bainha de mielina, uma camada que reveste e protege os neurônios, além dos próprios neurônios e suas conexões, gerando alterações na transmissão dos impulsos nervosos e, consequentemente, causando os sintomas”.

Essas lesões podem ocorrer tanto no cérebro quanto na medula espinhal, gerando um quadro clínico bastante variável, como destaca o neurologista Waldir Antonio Maluf Tognola, especialista do Hospital de Base de Rio Preto. “O paciente pode apresentar sintomas semelhantes aos de um acidente vascular cerebral (AVC), como fraqueza em um dos lados do corpo, podendo perder os movimentos de um braço ou de uma perna. Também pode haver perda de força, desequilíbrio, perda de sensibilidade durante os surtos, perda de visão e até dificuldade para controlar a urina. Além disso, pode ocorrer impotência, depressão, déficit de memória, dificuldade para falar ou engolir. Tudo isso vai depender da área afetada pela doença, seja no cérebro ou na medula espinhal”.

Diante de tantos desafios, histórias como a de Jéssica ganham ainda mais significado. Elas mostram que o enfrentamento da esclerose múltipla não é apenas uma questão médica, mas também uma jornada de força emocional, apoio e, muitas vezes, reinvenção. Dar visibilidade a essas vozes é uma forma poderosa de inspirar empatia, fortalecer redes de apoio e, principalmente, lembrar: ninguém está sozinho.

Tipos e evolução da esclerose múltipla

Remitente-recorrente: acomete cerca de 85% dos pacientes na fase inicial. Caracteriza-se por episódios recorrentes de manifestação neurológica, denominados surtos, com períodos de estabilidade entre eles.

Secundariamente progressiva: ocorre em aproximadamente 50% dos casos após 15 anos de doença. É caracterizada por uma piora progressiva dos sintomas neurológicos, mesmo na ausência de surtos.

Primariamente progressiva: acomete cerca de 15% dos pacientes, sendo mais frequente em homens e idosos. Desde o início da doença, há progressão contínua dos sintomas, sem episódios definidos de surtos.

Progressiva recorrente: semelhante à forma primariamente progressiva, mas com a presença ocasional de surtos ao longo da evolução. Acomete cerca de 4% dos pacientes com a forma progressiva.

RIS (Síndrome Radiológica Isolada): trata-se de um achado incidental na ressonância magnética, com imagens sugestivas de lesão inflamatória desmielinizante, sem que o paciente apresente sinais ou sintomas clínicos.

CIS (Síndrome Clínica Isolada): manifestação clínica monofásica, com características semelhantes a um surto típico de esclerose múltipla, em um paciente que ainda não tem diagnóstico da doença. Quando este é confirmado, a CIS passa a ser considerada o primeiro surto.

Fonte: neurologista Renato Simões, especialista do Instituto de Neurologia Rio Preto e do Hospital Beneficência Portuguesa

Quanto antes, melhor: o impacto do diagnóstico precoce

Embora ainda não exista cura para a esclerose múltipla, os tratamentos disponíveis atualmente permitem controlar os sintomas e ajudam e retardar sua progressão. De acordo com o neurologista Waldir Antonio Maluf Tognola, a escolha da melhor abordagem terapêutica depende do grau de atividade apresentado por cada paciente. “Existe um leque de opções terapêuticas que podem ser utilizadas em diferentes fases da esclerose múltipla, conforme o grau de atividade da doença. Alguns pacientes apresentam formas menos ativas, com poucas lesões, enquanto outros já têm um quadro mais agressivo desde o início, com muitas lesões. A escolha do tratamento depende justamente desse nível de atividade da doença.

O especialista destaca que o tratamento precoce é fundamental para conter o processo natural da doença e evitar danos irreversíveis. Ele explica que, apesar de o tecido cerebral não se regenerar, o cérebro possui um mecanismo chamado neuroplasticidade — uma capacidade de adaptação que permite transferir a função de uma célula nervosa comprometida para outra ainda saudável, desde que haja poucas lesões. No entanto, à medida que a doença avança e novas lesões se acumulam, essa capacidade de adaptação diminui, aumentando o risco de sequelas permanentes. “Quanto mais cedo o tratamento é iniciado, mais rapidamente se interrompe o surgimento das lesões e, com isso, uma maior quantidade de tecido cerebral será preservada, aumentando as chances de ocorrer a neuroplasticidade e reduzindo o risco de sequelas para o paciente”.

O neurologista Fábio Henrique Limonte, do Hospital Beneficência Portuguesa, explica que o tratamento da esclerose múltipla inclui o uso de medicamentos imunobiológicos, que atuam para impedir que o sistema imunológico extrapole a produção de substâncias inflamatórias - o que poderia acelerar a degeneração da mielina e trazer sérias complicações. “A esclerose múltipla é uma doença crônica e deve ser tratada por toda a vida. Especialmente na forma primariamente progressiva, ou nas formas surto-remissivas que não são diagnosticadas e tratadas precocemente, o acúmulo de lesões neurológicas ao longo do tempo pode levar a incapacidades permanentes”, alerta.

A médica fisiatra Regina Chueire, diretora do Instituto de Reabilitação Lucy Montoro, destaca que a esclerose múltipla, por se tratar de uma condição de evolução prolongada e quadro clínico complexo, pode levar ao acúmulo progressivo de incapacidades. Por isso, ela recomenda que o paciente busque o quanto antes acompanhamento com um médico fisiatra e uma equipe multiprofissional, para evitar que essas limitações comprometam a qualidade de vida.

“Além do exame neurológico convencional, o fisiatra utiliza escalas e testes específicos que avaliam o impacto funcional da doença, permitindo a elaboração de um plano de reabilitação personalizado. Devemos lembrar que hoje a expectativa de vida gira em torno de 70 a 80 anos, o que significa que muitas pessoas viverão por um longo período com a doença, necessitando de reabilitação física para melhorar o equilíbrio, a força muscular e outros aspectos. O objetivo do fisiatra e de sua equipe é garantir a autonomia do paciente, para que ele possa continuar trabalhando, aproveitando suas atividades de lazer e mantendo sua vida social e familiar”, pontua Regina.

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