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MISSÃO: AJUDAR O PRÓXIMO

EntrevistaMISSÃO: AJUDAR O PRÓXIMO
A farmacêutica e empresária Creusa Manzalli atua como voluntária há 34 anos e, atualmente, é diretora do Instituto AmAA, antigo Instituto Alarme 

Movida pelo altruísmo, a farmacêutica e empresária rio-pretense Creusa Manzalli Toledo atua no terceiro setor há mais de 30 anos. Atualmente, ela é diretora do Instituto AmAA, antigo Instituto Alarme.

Creusa impressiona por sua dedicação. Ela não apenas sabe o nome da maioria dos cerca de 400 alunos da entidade, como também as suas histórias, seus traumas, suas dores e suas origens. Muitas vezes, além de atual diretora, Creusa é cozinheira, monitora, professora e até motorista na instituição.

Foi na década de 1990 que Creusa ingressou no Consórcio Intermunicipal da Alta Araraquarense para Assistência à Infância. Já em 1992, o Consórcio passou por uma reforma estatutária, tornando-se a Associação Lar de Menores (Alarme). Essa alteração não se limitou ao nome: a associação foi transformada em uma ONG, sem fins lucrativos, eliminando o sistema de internato e adotando o regime de semiabrigo, fornecendo educação escolar e uma variedade de atividades complementares a crianças de 6 até 14 anos.

Leia a entrevista:

BE – Como a senhora resumiria seu percurso na área social? Como surgiu a vontade de exercer o voluntariado?

Creusa Manzalli – Sempre fui movida pelo ideal de ajudar o próximo. Fui morar no Jardim Aclimação e passava em frente ao Instituto todos os dias. Na época, ainda era o consórcio, as crianças moravam lá. Um dia fui convidada para participar de uma reunião e fiquei encantada em poder ajudar de alguma forma. Eu tinha meus filhos pequenos, lógico, não dava para me dedicar tanto como eu gostaria naquele momento. Fui fazendo o que podia, tanto que toda minha família depois se envolveu.

Ficavam 90 crianças divididas em quatro dormitórios. E aí, aquela história de que eu ia passar só algumas horas lá foi por água abaixo. Todos os dias eu estava lá.

Não aceitava que eles morassem ali, porque você começava a dar uma olhada nos prontuários, eles tinham famílias. Começamos então um trabalho para levar as crianças de volta para suas famílias. Os que não puderam ir para a família de sangue foram acolhidos por outras famílias. E assim foi, até transformar o instituto em semiabrigo. Hoje estão todos jovens, têm muitos que são empreendedores. É um orgulho!

BE – Como é seu dia a dia atuando como diretora da AmAA? Conte-nos um pouco da sua história?

Creusa Manzalli – O que menos importa, no meu caso, para o instituto, é o cargo. Estou diretora, estou como presidente. Mas, na verdade, sou uma voluntária, e, como voluntária, tenho que fazer aquilo que é preciso. Se eu chegar na instituição e tiver de dar banho numa criança, darei o banho na criança. Estou lá como voluntária. Hoje, contamos com uma equipe maravilhosa. Uma equipe que realmente gosta do que faz. É muito gostoso, porque tudo flui. Só é cansativo, até porque não tenho mais 20 e sim 68 anos.

Eu vim de uma classe bem humilde, lutei muito para chegar onde cheguei. Não foi fácil, não é fácil. É um tombo por dia, mas você levanta e sai melhor. Outro tombo, você levanta e sai muito melhor. E eu acho que tenho que oferecer alguma coisa em troca para a sociedade. E me encontro no voluntariado fazendo isso. Então, eu faço realmente o que gosto. Amo ficar dentro daquele instituto cuidando, correndo, vendo que cada dia as crianças estão melhores e são melhor atendidas.

BE – Para a senhora, qual a importância das ONGs (Organização Não-Governamental)?

Creusa Manzalli – O poder público tem muito o que fazer. E no modelo do poder público que temos é uma coisa muito retalhada, uma colcha de retalho. Vou pegar um exemplo. Quem é da Educação não pode fazer nada da Saúde, quem é da Saúde não pode fazer nada na Assistência Social, quem é da Assistência não pode fazer nada no Meio Ambiente. Por quê? É o modelo que temos de gestão. No nosso caso, temos crianças atendidas de 6 até 14 anos. A criança é uma só. Ela não é um retalho, ela tem que aprender cultura, esporte, cuidar da saúde, da alimentação, da higiene, da alfabetização, e outras coisas que vão aparecendo naquele ser que estamos atendendo. O ser humano é inteiro, ele é integral. E nos modelos administrativos, não é feito dessa forma.

BE – A entidade é mantida com apoio de empresários, voluntários e doadores. O rio-pretense é solidário? Quais os desafios de atuar neste setor?

Creusa Manzalli – O maior desafio que vejo é o seguinte: as pessoas até são muito solidárias, existem muitos voluntários, mas a maioria desses voluntários não quer ser responsável por uma diretoria. Não existe ONG sem uma diretoria. É muita responsabilidade? É. Responsabilidade civil, criminal, trabalhista, moral, é tudo. É uma responsabilidade imensa. Mas alguém tem que fazer isso, né? Muita gente fala assim: “Lá na instituição X, são sempre os mesmos. Lá na instituição Y, são sempre os mesmos...”. Quero perguntar para essas pessoas se eles querem assumir cargos. Não querem. É difícil. Acham muita responsabilidade. Eu também acho, mas fazer o quê? Preciso fazer, alguém tem que fazer.

A sociedade de Rio Preto nos ajuda muito. Aliás, Rio Preto é uma cidade bastante solidária. É impressionante como Rio Preto tem essa característica.

BE – Recentemente, a instituição fechou parceria com o Assaí Atacadista, locando uma pequena parte do terreno para construção de um hipermercado. Como essa iniciativa vai impactar diretamente no AmAA? Vai aumentar a capacidade de atendimento? Qual a expectativa?

Creusa Manzalli – Essa parceria com o Assaí, assim como a que temos outros parceiros, é o que nos sustenta. A instituição, lá em 1949, foi doada por um casal para fins específicos: cuidar do menor. Então, essa é nossa base, nossa essência fundamental, a função que temos lá, de cumprir esse primeiro compromisso. Mas a cada dia as exigências aumentam. Há 30 anos a gente não tinha ar-condicionado em sala, hoje temos em todas as salas. Há 30 anos, a gente não tinha a informática, hoje oferecemos a todos os alunos. Então, cada dia, se exigem mais coisas e a gente tem que ir atrás, tem que correr atrás do dinheiro. Essa parceria com o Assaí vai nos ajudar a resolver nosso déficit financeiro por bons anos. Não que vá aumentar muito a quantidade de alunos, mas eu poderei oferecer muito mais coisas do que ofereço hoje. Até então, a gente não conseguia sair muito do lugar.

Dependemos dos aluguéis, dependemos de voluntariado e continuaremos dependendo. Mas sei que posso contar com uma receita fixa no mês. Nem sempre o evento dá o lucro ou o retorno desejado, muitas vezes dá um retorno muito bom, outras vezes não. Essa renda fixa por mês é o que contribui para aumentar nossos atendimentos específicos.

Quando começamos a receber o aluguel do Assaí, em dezembro, já colocamos uma classe de oitavo ano. A gente não ia ter oitavo ano em 2024. Quem sabe no ano que vem não conseguimos acertar a nossa situação financeira para ter o nono ano? Está por pouco, mas a gente também tem todo um compromisso, porque temos que pagar funcionários, obrigações trabalhistas, nós temos tudo isso, como qualquer outra empresa.

BE – Além do ensino fundamental, o AmAA oferece aulas de agroecologia, artes, ginástica artística, esportes, informática, música e recreação. Como o incentivo a essas práticas influenciam na vida dos jovens do projeto?

Creusa Manzalli – Além das aulas convencionais do ensino fundamental, temos atividades extracurriculares oferecidas no contraturno das aulas. Como exemplo, gosto de falar da nossa horta. Ela não é fonte de renda, mas parte da fonte de alimentação. As crianças aprenderem o que é a verdura, o que é o legume. Temos uma nutricionista que entra na sala de aula e fala sobre o desperdício. Ela fala muito sobre comer, quais as vitaminas e o que eles precisam. Ela vai fazendo um trabalho de acordo com a idade da criança e eles se empolgam. A maioria dos nossos filhos, se você for perguntar, não come rúcula. Já nossas crianças comem, comem couve. Eles comem isso porque têm o incentivo da horta.

Temos aulas de música também. Inclusive, no final do ano passado, apresentamos uma Cantata de Natal, um projeto que teve participação do Rotary Jardins. Uma fazendinha, que tem galinha, tem ganso, tem o pônei, tem o carneiro. Eles adoram isso, porque hoje a gente vive no asfalto, não tem esse contato com a natureza. Mas nossas crianças têm essa oportunidade.

BE – Gostaríamos de saber mais sobre os benefícios e impactos que uma ONG pode trazer para a vida dos alunos, das famílias e até na vida de vocês também?

Creusa Manzalli – Penso que as ONGs, de modo geral, trazem muitos benefícios para a família. Por exemplo, a gente tem lá a criança, ela é tratada como um todo. Ah, ela não veio na escola, hoje? A gente vai ligar para a família, saber o que aconteceu. Ah, a família não deu retorno? O assistente social vai até a casa da família. Enfim, vamos fechando todas as lacunas do desafio de educar. E essa criança, sendo tratada como um todo, a gente fica mais próximo da família e o bem-estar da família é muito maior. Pergunta para qualquer família de lá. Tem família que reclama quando a gente convoca para participar de reunião. Mas é porque não estão acostumados com isso. E a gente mostrará para ela o quanto é importante ela participar da vida escolar da criança.

Eu acho que a gente tem aquilo lá um pouco como missão. Fico cansada, fico exausta, às vezes tenho vontade de juntar a bolsinha e ir embora, mas, poxa, quem vai ficar aqui no lugar? Será que alguém vai assumir? Se não assumir, como ficará a situação? Acho que é um pouco mais da minha missão.

BE – Qual o seu sentimento em contribuir com a sociedade em uma instituição tão revelante para Rio Preto? O que podemos esperar para o futuro do AmAA? Há planos de expandir a área de atuação, ou mudar de algum jeito como atuam?

Creusa Manzalli – A nossa diretoria, não estou falando em meu nome não, eu falo no nome de toda diretoria, tem um sentimento de dever cumprido, de fazer nossa parte, e de conquistar voluntários para fazerem a parte deles. Esse é o nosso sentimento. Qualquer um dos diretores tem esse sentimento, sabe, de buscar mais voluntários. Acho que a gente vai impactar muito assim, daqui para frente, em pensar o que fazer, porque hoje tudo muda, e nós não podemos ter uma coisa retrógrada. Hoje nem sempre é necessário fazer uma boa faculdade. Às vezes é mais rápido para eles, que precisam de resultados mais rápidos, um curso de tecnologia, por exemplo. A gente tem pensado muito sobre isso, tem conversado com vários influenciadores, vários educadores a respeito disso, e a gente percebe que o curso técnico está muito procurado. Quem sabe a gente vai primeiro para um curso técnico, para depois pensar em uma universidade ou numa faculdade. Não somos proibidos de sonhar!

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