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‘AMO DAR AULAS’

Entrevista‘AMO DAR AULAS’
A professora Nidia Puig Vacare Tezine fala sobre as mudanças na Educação nos últimos anos, os desafios da docência e os momentos profissionais que marcaram sua vida

Fluente em inglês e espanhol, além do catalão, a professora Nidia Puig Vacare Tezine, mesmo após se aposentar, continua exercendo seu ofício com dedicação e excelência.

Com formação acadêmica extensa, ela possui doutorado e mestrado em Teoria Literária pelo Ibilce/Unesp, além de duas graduações em Português/Inglês e Português/Espanhol. Nidia também fez pós-graduações em Literatura Inglesa (Unesp) e em Tradução e Interpretação em Espanhol (Univercidade Estácio de Sá/SP), bem como cursos de extensão em Teoria Literária na Universidade da California-Berkeley e em Língua, Literatura e Cultura nas Universidades de Barcelona e de Santiago de Compostela, na Espanha. Ela também participou de cursos de metodologia e didática no ensino de espanhol em Santiago do Chile e Buenos Aires, na Argentina.

Nídia é mãe de três filhos dos quais se orgulha da formação que proporcionou: Adriana é promotora de Justiça, Andressa atua como economista, em Londres, e Bruno é formado em engenharia. Também é avó de Lucas, João Antonio, Clara e Theo.

A professora afirma que ama lecionar. Atualmente, dá aulas particulares, o que lhe permite desenvolver uma relação afetiva com os seus alunos.

Confira a entrevista:

BE – O que a motivou a cursar Letras Inglês-Português?

Nidia Puig – Foi natural, pois sou bilíngue em português e espanhol, além do catalão. Venho também de família materna na qual o francês era a língua de leitura. Na minha infância e juventude, o Rio de Janeiro era capital federal e ali se concentrava grande número de estrangeiros, principalmente diplomatas no meu prédio, por estar na orla marítima. A maioria era dos Estados Unidos e da Inglaterra. O inglês permeava nossa vivência. Além disso, fui parte da segunda turma do Brasil a fazer intercâmbio estudantil com os Estados Unidos. Adolescente, fui para a California e tive uma excelente família americana como hospedeira, com a qual me comunico e frequento até hoje. Viajamos juntos para inúmeros lugares depois, como o Polo Norte (passamos Natal e Ano Novo no Círculo Ártico, Rankin Inlet, Canadá. Levei-os à Espanha, onde minha família paterna ainda vive, e eles também vieram ao Brasil várias vezes, ciceroneando-os em vários estados. Meus “pais” americanos possuíam excelente nível cultural (ele era médico, rotariano atuante, e ela era maestrina). A “mãe” corrigia meu inglês com rigor. Isso me ajudou muito, além de incentivarem a leitura, a música e as viagens.

BE – Quais os desafios da docência?

Nidia Puig – A frágil formação dos professores, universidades também sem docentes envolvidos, salários ínfimos e nenhum incentivo para desenvolverem criatividade e pesquisas. Imensa falta de apoio aos docentes em todos os níveis. Toda profissão requer estudos contínuos e mais ainda a docência, que envolve não só a informação, mas, principalmente, a formação da cidadania. Isto acarreta estudos de sociologia, psicologia, filosofia e cultura geral. Neste item último, faz parte o estudo de línguas estrangeiras para acessar, na língua original, as últimas pesquisas, além de poder frequentar congressos e cursos internacionais. Interagir com o exterior é primordial. É buscando o diferente que se pode crescer, entender o outro e aumentar seu conhecimento. Nas escolas e faculdades atuais não há rodas de conversas, reuniões pedagógicas, trocas de experiências entre os docentes. Crescer demanda ouvir e refletir.

BE – Ao longo da sua carreira, conte nos momentos que foram marcantes?

Nidia Puig – Foi muito importante estudar para prestar os concursos públicos para efetivação na escola pública. Recebi ótima formação profissional no Ibilce (antiga FAFI) com professores de alto nível e muito envolvidos com transmitir esse conhecimento. Atuar na escola pública foi fundamental para vivenciar a realidade do estado, onde às vezes eu fazia mais de assistente social do que de professora de línguas. A realidade deles é muito diferente da escola privada que eu frequentava. Tive diretores que me deram bastante espaço e apoio para exercer a docência mais criativa e de forma interativa, usando meu aprendizado em cursos no exterior. Isso foi tanto na escola pública como na privada. Fizemos teatros, assistíamos e debatíamos filmes, rodas de conversa, jogos etc. No Colégio São José o diretor na época, Padre Pelayo, deixou-me usar todo o colégio para fazer o Encontro de Línguas e Linguagens, quando trouxe grandes nomes da cidade, da USP e do exterior para oficinas e palestras. O mesmo aconteceu quando lecionei nas faculdades. A Unorp abrigou três dos nove Seminários de Inglês e dois dos quatro “Encuentros de Professionais de Español” que promovi ao longo da carreira. Tivemos também dois dias de debates sobre as obras de Shakespeare, nos quais envolvi inúmeros docentes de outras áreas para apresentar seu olhar sobre esse autor universal. Noto, assim, que foi o apoio dos dirigentes que permitiu a minha atuação mais criativa e mais prazerosa para os alunos e todos os envolvidos.

BE – Os professores acabam se tornando figuras especiais. Com tantos anos atuando como professora, como é a sua relação com seus alunos?

Nidia Puig – Acho que sou muito privilegiada. Mantenho estreito contato com a grande maioria. Na realidade já atendo hoje à 3ª geração desses alunos. Comecei lecionando aos que hoje são os avós, depois os pais e agora os netos. Atualmente meus médicos, engenheiro, arquiteto, secretárias e até o pedreiro, jardineiro etc foram meus alunos ou os pais o foram. Com isso vivo em uma rede de afetos e reconhecimentos. É o afeto e o acolhimento de ambas as partes que nos propicia o nosso desenvolvimento.

BE – Educadora, empresária, mãe, avó. A senhora vê como um desafio desempenhar todos esses papéis?

Nidia Puig – Creio que todos são desafiadores. Cada um com sua especificidade. Ser mãe é o único que não tem fim e que precisamos nos amoldar a cada dia; cada filho tem sua personalidade e suas escolhas. Da mesma forma, as demandas deles vão se modificando ao longo da vida. Fui rígida tanto como mãe como professora. Contudo, creio que sempre muito acolhedora e, principalmente, apoiadora. Ser empresária no Brasil é muito difícil. Muita burocracia e impostos e taxas. Mas construí uma excelente equipe. Financiava e proporcionava cursos frequentes aos professores e secretárias que trabalhavam comigo. E depois tive a sorte, ou cuidado, de ter uma ex-aluna como a nova proprietária e que deu o seguimento até hoje dessa filosofia de competência e afeto.

A função que mais me delicia é ser avó. Esta é puro usufruto. Uma alegria imensa é estar com os netos, proporcionar tudo que ensinei ou ofereci a todos os demais, filhos, alunos, funcionários, mas agora só de forma lúdica, sem exigência alguma, apenas o compartir afetos e proporcionar apoio incondicional.

BE – Mesmo aposentada, a senhora ainda dá aulas. Como concilia vida profissional e pessoal?

Nidia Puig – Atualmente, a pessoal tem maior peso. Consigo hoje frequentar apenas o que me dá prazer: concertos, teatro, museus, ainda alguns cursos e congressos bons. Estar com amigos e conhecer outros lugares e pessoas é hoje sem a expectativa de isso significar qualquer tipo de investimento cultural ou profissional, embora terminem por caracterizar meu diferencial que é estar atualizada e em movimento. E amo dar aulas! Atualmente dou aulas particulares, o que me permite desenvolver uma grande relação afetiva com os alunos, por estar em contato direto e individual. Toda minha vivência pessoal termina por reverter-se na profissional. Às vezes penso em parar, mas continuam chegando alunos recomendados por ex-alunos ou descendentes daqueles. Virá a 4ª geração?

BE – Quais são as mudanças mais visíveis na Educação nos últimos anos?

Nidia Puig – A falta de empenho em políticas públicas para a educação. O Japão só se tornou esta potência mundial depois que a Educação foi o maior foco. Atualmente são os professores que são reverenciados e não os políticos lá. Só a educação pode proporcionar mudanças sustentáveis. Nossas escolas estão sem condições sequer físicas. A alimentação de muitos alunos é feita apenas nas escolas públicas. Faltam profissionais competentes e, principalmente, que tenham envolvimento. Um grande ponto negativo é a tecnologia mal utilizada. Fake News e celulares funcionando apenas como agentes de diversão, e muitas vezes perniciosos, cortaram os laços afetivos entre a escola, a comunidade e a família. Não há incentivo à criatividade e nem aos bons alunos e profissionais que possam desenvolver novas ações. A escola é um elemento vivo e precisa ser alimentada como tal. Urge que tanto os alunos quanto os professores e dirigentes tenham maior espaço para aprender, regras precisas e apoio para desenvolverem novas ideias, com responsabilidade.

BE – Por mais de uma década, a senhora esteve a frente do Idiom Center. Como foi empreender na área de Educação?

Nidia Puig – Foi extremamente prazeroso. O Idiom Center foi a realização de um sonho: oferecer um ensino de excelência, com base nas últimas metodologias e estratégias de ensino, que eu trazia de congressos e cursos no exterior, e principalmente estar enlaçado com o afeto e a formação geral dos alunos e de todos os envolvidos. Consegui formar uma maravilhosa equipe, à qual proporcionava constantes reciclagens. Todos os professores tinham cursos no estrangeiro, financiados pelo Idiom Center. E muita dedicação aos alunos. Atualmente, continuo com o Espaço de España, onde o inglês também é ensinado. E uma novidade: leciono agora também o português como língua estrangeira. Há inúmeros profissionais na área da saúde que vem aqui para fazer a pós-graduação (medicina e odontologia). São de países vizinhos, como Peru, Equador, Uruguai, Colômbia e até da América Central e Mexico também.

BE – Cada vez mais a aprendizagem ocorre fora do espaço escolar. O que é preciso fazer para conquistar o aluno quando tudo fora da escola parece mais interessante?

Nidia Puig – Imagino que seja oferecer um bom solo para que a semente do saber, e da criatividade, possa germinar. Isso quer dizer: que os alunos tenham mais voz dentro do estabelecimento de ensino para CRIAR. Houve uma massificação no ensino. Todos devem ser iguais frente as oportunidades de crescer. Mas todos somos diferentes nas nossas potencialidades. E essas são as que devem ser apoiadas. Não há mais líderes, nem no corpo docente nem no discente. As aulas ficaram iguais com falsas pesquisas pela internet, no famoso “copia e cola”. Tudo ficou muito igual e banal. Os modelos a seguir são “influencers” digitais, vazios e temporários. Falta estudo e convicção no saber consistente. Faltam desafios e possibilidades de avanços individuais que se tornarão coletivos depois.

BE – Por que é importante estudar e continuar na jornada em busca por conhecimento?

Nidia Puig – É a única forma da pessoa se entender e, principalmente, entender o outro. É a única maneira de se exercitar o respeito pela individualidade e depois desenvolver a tolerância e a interação.

BE – A senhora atua como diretora do Espaço de España, em Rio Preto. Gostaria que nos falasse sobre a atuação da associação para conectar o vínculo histórico-cultural e familiar dos descendentes de espanhóis em Rio Preto?

Nidia Puig – O Espaço de España surgiu como um centro de cultura onde a língua e outras atividades artísticas pudessem se desenvolver. Obviamente para homenagear minha origem, já que meu pai era médico, da Catalunha, imigrante, fugindo da terrível ditadura e da guerra civil espanhola. Aqui, na região, há inúmeros descendentes de espanhóis, que foram os pioneiros na colonização desta área e de muitas áreas rurais do leste e do sudeste do Brasil. Lastimavelmente, por viverem no campo e mais isolados, não mantiveram a língua nem a cultura espanhola. Gostaria de resgatar parte disso. Como o espanhol permeia a imensa maioria das Américas, do Sul, Central e do Norte, ocupa também a Europa (Espanha, parte do sul da França, Andorra), África (Guiné Equtorial) e Ásia (Filipinas). É uma língua rica em literatura e história. Realizamos a Confraria de Arte e Cultura no Espaço de España. Com isso trazemos palestrantes desenvolvendo temas sobre música, literatura, artes, pintura, cinema etc. Com a cultura espanhola como base, temos as expressões artísticas de um sem-número de países. Já tivemos sobre Picasso, Viagens ao Caminho de Santiago de Compostela, Cervantes, Ruben Dario, Julio Cortazar, Tango com exímio bandeonista local (André Postigo), Frida Khalo com intervenção teatral etc.

Sou também Diretora Cultural da Casa de Espanha, órgão vinculado ao Consulado e à Embaixada da Espanha. Pretendemos em breve elaborar o Festival de cinema em língua espanhola, no Plaza Shopping, onde temos nosso vice-consulado. Nesse espaço cabem então os ótimos filmes argentinos, mexicanos além dos espanhóis.

BE – Para finalizar, na sua opinião, como a educação transforma a vida?

Nidia Puig – A educação é o único caminho para se desenvolver indivíduos preparados para produzir, para dar sustentabilidade à civilização humana. Não só se aprende conhecimentos específicos, mas também se forma cidadãos cujo cerne deve ser o respeito e o espírito de coletividade, com empatia e responsabilidade. A escola é o centro apropriado para isso, principalmente porque atualmente muitas famílias não têm sequer o que comer. A educação é a forma precisa para se ter um crescimento profissional que leva a melhores condições de vida social e até de saúde.

Formar bons profissionais, engajados na sua missão, é a melhor forma de termos uma nação mais produtiva e consoante com o que chamamos de felicidade.

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