O ANONIMATO QUE ALIMENTA O CAOS
O documentário “A Rede Antissocial: Dos Memes ao Caos” (2024), disponível na Netflix, vai fundo na gênese do 4chan, fórum online que se transformou de refúgio para fãs de anime em um pântano de desinformação e extremismo. Criado em 2003 por Christopher Poole, na época adolescente, o 4chan foi inspirado no fórum japonês 2chan, mas com um diferencial perigoso: o anonimato absoluto. E é aí que a história começa a se contorcer.
A princípio, o anonimato parecia uma ideia libertadora, afinal, permitia que os usuários compartilhassem livremente suas paixões por quadrinhos e animes sem medo de julgamentos. Porém, a falta de identificação também abriu as portas para um lado mais sombrio. Sem consequências claras, os “trolls” — usuários provocadores, que fazem de tudo pela “zoeira” — começaram a surgir, transformando o fórum em um terreno fértil para memes ofensivos e teorias da conspiração.
E aqui está o grande ponto de virada dessa rede (anti)social. Se antes as “trollagens” do 4chan eram vistas como brincadeiras inofensivas, rapidamente evoluíram para algo mais sinistro. O documentário destaca casos emblemáticos, como a invasão do YouTube com pornografia após o site remover vídeos de um garoto fã de Mario Bros, e a criação do grupo Anonymous, inicialmente um bastião contra a corrupção, que se tornou conhecido por seus métodos nada ortodoxos de, supostamente, fazer justiça.
Diretores do filme, Arthur Jones e Giorgio Angelini mostram com clareza que o anonimato, característica essencial da plataforma, se transformou em combustível para o caos. Em um dos relatos mais impactantes, um ex-usuário do 4chan admite: "A gente não sabia o que estava fazendo", revelando a ignorância coletiva sobre as consequências reais de suas ações online.
A ausência de moderação rigorosa permitiu que conteúdos ainda mais extremos florescessem. O surgimento de subfóruns como o /b/, onde praticamente tudo era permitido, e a posterior criação do 8chan e do 16chan, espaços ainda menos regulamentados, ampliaram a disseminação de ódio e violência. O documentário faz ainda um paralelo perturbador com eventos do mundo real, como o ataque ao Capitólio dos EUA em 2021, demonstrando como as sementes plantadas no 4chan podem germinar até mesmo em atos de terrorismo.
Um dos pontos mais interessantes que documentário aponta é a raiva como um dos principais motores que mantêm as pessoas conectadas. O ódio vende, gera cliques e engajamento. Plataformas como X (antigo Twitter) e Facebook, embora diferentes em formato, acabam reforçando a mesma toxicidade que se originou no 4chan.
No final das contas, “A Rede Antissocial” não é apenas um documentário sobre um fórum online. É um alerta sobre o potencial destrutivo do anonimato e da falta de responsabilidade digital. É um convite a pensar criticamente sobre nossa participação no mundo digital e as consequências que nossas ações online podem ter no mundo real. Afinal, como mostra o filme, o que parece ser apenas uma brincadeira inofensiva pode rapidamente se transformar em um movimento de ódio de proporções devastadoras.