É tudo culpa da dopamina?
Seria essa minúscula molécula bioquímica a responsável por estarmos nos consumindo nas redes sociais? Ela que estaria nos arrastando para um buraco negro de procrastinação, vícios e hábitos “autodestrutivos”? Aparentemente, a dopamina é a bruxa da vez. Para começar, estamos falando de um neurotransmissor, ou seja, uma substância química que atua na comunicação entre as células nervosas do nosso cérebro.
A dopamina é formada por um anel de benzeno com grupos hidroxila e uma cadeia lateral contendo um grupo amina, da classe das catecolaminas. Mas, para entender melhor, ela é só um mensageiro. Ela avisa quando algo parece bom, interessante ou recompensador. Mas agora, virou a vilã da vez – culpada por tudo, desde maratonar séries até aquela rolagem infinita no Instagram.
Só que, convenhamos, atribuir à dopamina nossos maus hábitos são como responsabilizar o carteiro pelas más notícias. Influenciadores apontam o dedo para a dopamina como se ela fosse a raiz de todos os nossos males modernos e fazem isso assumindo um ar de rigor científico. Ignoram o fato de que, na verdade, o que nos prende às redes ou a outros comportamentos compulsivos é um caldo muito mais complexo: desigualdade, ansiedade, solidão e, claro, o design viciante dessas plataformas.
O problema é que esse discurso encontra solo fértil no público cansado e culpado. Vendem os vícios e vendem as soluções: “o detox dopaminérgico!”, “Passe 21 dias sem redes sociais e ressuscite sua produtividade!”. Tão bom se fosse fácil assim. Em todas as áreas, o que vemos são sempre promessas milagrosas. Só que essas estratégias simplistas fazem muito pouco sentido, e estamos sendo enganados por soluções mágicas que vendem “a cura” enquanto aumentam cliques e engajamento.
Além disso, há algo perverso nesse discurso: ele transforma problemas sociais em falhas individuais. Se você procrastina, é porque está “viciado”; se não consegue parar de checar o celular, é porque não tem autocontrole. Enquanto isso, os verdadeiros culpados – como a ansiedade que nos consome, nossa idealização de uma vida perfeita ou talvez uma autocobrança pessoal severa – saem ilesos.
E vamos falar do óbvio: esse tipo de narrativa é mesmo rentável. O negócio é lucrar com a culpa. Influenciadores oferecem workshops, e-books e mentorias para ajudar você a “reprogramar seu cérebro”, enquanto lucram com a audiência que, ironicamente, foi capturada pelas próprias redes sociais. Eles não estão só capitalizando sobre a saúde mental – estão fazendo dela um mercado.
A verdade é que o buraco é muito mais embaixo. Sim, temos hábitos que podem nos atrapalhar, mas tratá-los como “vícios químicos” simplifica algo que é emocional, social e, muitas vezes, estrutural. Em vez de demonizar a dopamina, que tal falar sobre como criar espaços saudáveis para conversar sobre ansiedade, pressão social e solidão? Que tal investir em acesso a cuidados psicológicos ou repensar a forma como a tecnologia molda nossas vidas?
No fim, culpar a dopamina é só mais uma desculpa preguiçosa. Porque, vamos combinar, resolver problemas reais exige muito mais do que um post motivacional ou um detox digital.