Darcy: Crônicas em brasileiro
A coletânea “Crônicas Brasileiras” (2009), de Darcy Ribeiro, reúne textos semanais publicados na Folha de S. Paulo, entre 1995 e 1997, sucedendo a outro eminente pensador, Florestan Fernandes. Darcy, indigenista, antropólogo, Senador, reitor, Ministro de Estado, fundou universidades, centros de educação infanto-juvenil, o Memorial da América Latina... O romance “Maíra” (1976) nos conduz à constelação de seres que não distinguem da vida a arte e o sagrado. Conviveu por vários anos entre povos da floresta, os Kadiwéu e Urubu-Kaapor, “aprendendo com eles a ser humana gente”. O magistral “O Povo Brasileiro” (1995) é um feixe de ideias etnoculturais, funda imersão na alma do país.
A focar mazelas nacionais, anotou: “Vejo apreensivo as novas gerações bombardeadas, coagidas a pensar que patriotismo e nacionalismo são bestagens, coisa arcaica de mau gosto. Ninguém lhes diz que os povos que deram certo são extremamente patrióticos” (Utopia). Premonitório, enunciava: “Falta-nos a consciência – debilíssima nos tecnocratas – da destinação do Brasil como civilização tropical e mestiça que oferecerá ao mundo um novo padrão civilizatório” (Projeto Brasil). E, noutra crônica, assinala: “Se a França e a Itália vivem do turismo a mostrar ruínas (...), imagine o que ganharíamos abrindo aos homens o Jardim da Terra” (Ufanismo).
Os temas abrangiam apreensões prementes até hoje: menores abandonados, saúde, camponeses sem terra e, com afinco, a educação em todos os níveis. Frisava que “nossa escola primária (...) se especializou no atendimento a crianças das classes médias, que já chegam a ela bem-preparadas para a alfabetização. Têm casa onde se lê e onde há pessoas escolarizadas que as ajudam nos estudos. A criança popular não tem essa ajuda porque provém de família sem escolaridade... O pior dessa história é que floresce no Brasil uma pedagogia tarada e vadia segundo a qual o fracasso da criança pobre na escola é culpa dela própria” (A Alegria da Meninada é a Rua).
Darcy defendia que uma nação só se desatola do atraso com excelente escola integral aos jovens e investimentos em ciência e tecnologia. Porém, os estudantes se “matriculam em universidades públicas, gratuitas, onde se espreguiçam brincando de grevistas. Greves boas são as japonesas. Elas duram das 18 às 18h15. O japonês não é besta de se afastar das bibliotecas e laboratórios”. Isso é razão política. Nos institutos públicos daqui é comum os gestores, sempre de caras fechadas, se dedicarem a doutrinações ativistas da moda, para aplauso de seus partidários. Não falam de livros, qualidade de ensino, pesquisas acadêmicas.
Ao dar-se conta da doença incurável, Darcy “fugiu do hospital para se tratar”, como diz a letra de “A Cara do Brasil” (1998), na voz de Ney Matogrosso. Hospedou-se num hotel de Brasília, cercado de amigas. Em “As Mulheres” escreveu: “É sabido que gosto das mulheres. O que muitos ignoram é que também as admiro e as respeito. Nos tantos postos que exerci, trabalhei quase só com mulheres. Elas são mais inteligentes, dedicadas ao trabalho, mais fiéis e mais honestas. São além disso mais bonitas e mais cheirosas. Vocês não concordam?”.
ROMILDO SANT’ANNA
Jornalista, escritor, pesquisador
aposentado da Unesp Rio Preto
@romildosantanna