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LINGUAGEM NEUTRA

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Criada para promover a inclusão e o respeito à diversidade de identidades de gênero, a linguagem neutra é um tema associado ao preconceito e questões ideológicas

Sobre o autor

A linguagem neutra, também conhecida como linguagem não-binária por adotar um gênero neutro em vez do feminino ou masculino na comunicação oral ou escrita, é um tema controverso que divide opiniões. O debate envolve diferentes perspectivas e argumentos. Para alguns, sua adoção é essencial para promover a inclusão e o respeito à diversidade de identidades de gênero. Por outro lado, há quem considere sua implementação desnecessária e complicada.

“A linguagem neutra representa a luta contra a intolerância de gênero, o machismo, na medida em que identifica e visibiliza a todos os gêneros, inclusive os neutros. A própria discussão sobre sua adoção ou não já contribui para que se reflita sobre a desigualdade de gênero e suas maléficas consequências sociais”, afirma a doutora em Literaturas em Língua Portuguesa Andréia Régia Nogueira do Rego.

Segundo a profissional, é importante compreender que pessoas não-binárias não se identificam com os pronomes “ele” ou “ela”, bem como as flexões de gênero em adjetivos, como “bela” ou “belo”, por exemplo. Nesse sentido, a linguagem neutra surge como uma possibilidade de incluir esses grupos nos discursos, reconhecendo sua existência.

“A maioria dos Projetos de Lei que impedem a linguagem não-binária nos municípios brasileiros argumenta que ela prejudica o ensino do português brasileiro, ou que é uma ameaça ao nosso idioma. Esse argumento pode ser contestado observando-se que a língua é viva, nasce no povo e é por ele falada, sendo manifestação da sua identidade. Não se pretende ensinar a linguagem neutra como parte da gramática, mas, sim, como manifestação social da diversidade da nação”, destaca Andréia.

PRECONCEITO É O MAIOR DESAFIO

A professora doutora em Teoria Literária, Silvia Damacena, explica que a implementação da linguagem neutra provocaria mudanças realmente significativas, exigindo várias adaptações nas formas de comunicação e aprendizado. No entanto, ela acredita que essa transformação não ocorrerá rapidamente, de um dia para o outro, mas será um processo gradual, com a aceitação e incorporação da linguagem neutra acontecendo gradualmente. E o momento atual é propício para discutir essas mudanças e planejar o caminho para implementá-las no futuro.

“Toda mudança é geralmente recebida com certo temor, essa reação é natural, mas precisamos nos aprofundar nessas questões. Penso que o maior desafio seja o enfrentamento do preconceito. Não vejo aspectos negativos, exceto pela resistência das pessoas em aceitar a mudança. Porque é incrível que, mesmo as pessoas que seriam beneficiadas e acolhidas com essa linguagem, ainda estejam reticentes e desconfiadas. Então, é importante esse olhar, esse pensar sobre a língua, esse entendimento de que a língua é viva e nos representa, refletindo a sociedade no momento em que está sendo construída. Hoje estamos muito atentos às questões de inclusão e representatividade desses grupos, e a língua deve evoluir para refletir isso”, afirma.

Conforme explica a escritora e professora universitária de Língua Portuguesa, Literatura e Filosofia, Priscila Topdjian, que é mestra e doutoranda em Letras, em um cenário onde o pronome masculino é utilizado como padrão ao se referir a grupos que incluem pessoas de mais de um gênero, a linguagem neutra surge como uma possibilidade de validar todos os gêneros no discurso. “Seu papel se destina à visibilidade de pessoas, ao reconhecimento de direitos e como forma de evitar a discriminação em relação a grupos minoritários”, afirma.

Priscila ressalta que o argumento de que a linguagem neutra é fundamentada em uma postura de cunho ideológico levanta a questão de se a decisão de não a adotar também não seria uma posição ideológica. Segundo a profissional, também é importante refletir se o uso da linguagem neutra realmente contribui para reduzir a discriminação contra pessoas não binárias ou mulheres. “Acredito que estamos diante de um longo caminho a ser percorrido”, conclui.

COMUNICAÇÃO INCLUSIVA

Conforme explica a doutora em Literaturas em Língua Portuguesa, Andréia Régia Nogueira do Rego, a primeira proposta para linguagem neutra foi o uso de “x” ou “@”, por exemplo: “todx” ou “amig@s”. Essa mudança de fato poderia dificultar a fala e a leitura de modo geral e, mais ainda, para pessoas com dislexia. Atualmente, a substituição da marcação de gênero (“a” ou “o”) pela letra “e” torna a adesão mais fácil.

Segundo Andréia, no caso dos deficientes visuais, a questão está nos softwares usados para a leitura, que precisam de uma atualização. No entanto, a leitura com o uso de “e” no lugar de “a” ou “o” é realizada normalmente. Quanto aos deficientes auditivos e surdos que fazem leitura labial, não há dificuldade, pois estão acompanhando os debates. Entende-se que estão inseridos na comunidade e acompanham, seja por leitura labial, seja por textos escritos, o que está acontecendo a esse respeito. Além disso, ela ressalta que a Libras, Língua Brasileira de Sinais, já é um idioma sem marcação de gênero, ou seja, para a comunidade surda que se comunica por Libras, não há alteração.

No caso das crianças e adolescentes, a psicopedagoga, especialista em Educação Especial e Inclusiva e Análise do Comportamento Aplicado (ABA), Valquíria Menegaldo, afirma que o uso de linguagem neutra pode ajudar aqueles que não se identificam com gêneros tradicionais a se sentirem incluídos, desconstruindo estereótipos desde cedo e promovendo respeito pelas diferenças e empatia com o próximo. No entanto, ela alerta que se não for aplicada de forma correta e abrangente, pode resultar em dificuldades no aprendizado infantil e na comunicação expressiva.

“A complexidade linguística é evidente, podendo gerar confusão e dificultar o domínio de regras básicas de gramática e vocabulário. Além disso, existe resistência quanto ao seu uso fora do ambiente escolar, o que dificulta a comunicação entre crianças, uma vez que, se ensinado na escola, deve ser reforçado fora dela”, aponta Valquíria.

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