TOUFIC DEFENDE O FORTALECIMENTO DA SAÚDE PÚBLICA
Na análise do médico e diretor da faceres Toufic Anbar, um dos maiores desafios enfrentados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em Rio Preto reside no fortalecimento da atenção básica. O cirurgião geral destaca que mais de 80% das situações de saúde que afetam a população poderiam ser efetivamente resolvidas nesse nível de atenção. Essa realidade destaca a importância de um sistema robusto e bem estruturado de atenção primária, sendo a porta de entrada essencial para o cuidado integral da saúde.
Mestre em ciências da saúde pela Faculdade de Medicina de Rio Preto (Famerp), Toufic se graduou na mesma instituição, em 1987. Possui residência em cirurgia geral pela Funfarme e é especialista em cirurgia do aparelho digestivo pelo Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva (CBCD). Além de dirigir a Faculdade de Medicina Faceres, é titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC), especialista em videocirurgia pela Sociedade Brasileira de Videocirurgia (Sobracil) e auditoria médica pela Universidade Gama Filho.
Toufic conta que já conquistou sonhos importantes, mas se entusiasma ao falar daqueles que está trabalhando para alcançar. “Faltam alguns como, por exemplo, consolidar o processo de internacionalização do curso de medicina e colocá-lo no mesmo patamar das boas escolas médicas da Europa e da América do Norte”, afirma.
Nascido em Andradina, ele é casado com a médica Denise Daher e pai de dois filhos, Isabela e João Pedro, ambos também dedicados à medicina. À frente da Faceres, sua rotina é intensa, mas ele valoriza os momentos de lazer, dedicando-se à leitura, à escrita, à música, ao cinema, ao xadrez, além de aproveitar encontros com amigos e viagens.
Leia a entrevista:
BE – Qual é o maior desafio da saúde pública em Rio Preto?
Toufic Anbar Neto – O maior desafio é fortalecer o SUS e a atenção básica. Mais de 80% dos eventos envolvendo o sistema de saúde ocorrem neste nível. Deveriam ser resolvidos ali mesmo.
BE – O que falta para concretizar esta situação?
Toufic Anbar Neto – Há muito tempo que nossa cidade necessita de pelo menos mais 40 ou 50 equipes de saúde da família e pelo menos mais dez Unidades Básicas de Saúde (UBS). Quem diz que a “saúde” de Rio Preto é a melhor do Brasil vive numa realidade paralela. Nunca tentou marcar uma consulta na UBS, não está na fila aguardando um exame ou nunca foi numa UPA. Eu não acredito na ilusão de que existam “ilhas de excelência” no SUS. Já vi este tipo de propaganda. É um equívoco já que o sistema é um só e é extremamente interdependente. Ele vive em estado de equilíbrio instável. Qualquer sobrecarga, desequilibra o sistema. Exemplo disso temos vários: Covid-19, dengue, canavieiros que vêm de outras regiões durante a safra, pacientes de outras cidades, pessoas em situação de rua e outros agravos.
BE – O senhor considera que, após a pandemia, as demandas da saúde pública aumentaram significativamente? Poderia isso contribuir para as superlotações registradas nas UPAs e nos atendimentos de emergências particulares?
Toufic Anbar Neto – Embora a pandemia tenha deixado sequelas e tenha recrudescido, a superlotação deve-se à deficiência na atenção básica. Quanto pior ela for, mais lotadas as UPAs serão. É uma equação bem simples e eu diria até cruel.
BE – Como o senhor avalia a importância do olhar humanizado no atendimento médico?
Toufic Anbar Neto – Existe muito ruído e muito factoide na questão do atendimento humanizado. Não acredito em atitudes apelativas, parciais e efêmeras. Isso tudo desvia o foco da questão que é o respeito pelo paciente e seus familiares e ter compaixão pelo sofrimento deles. Outro ponto é preocupar-se pelas dificuldades que eles enfrentarão a partir da solução que o médico propuser para o problema deles. Não precisa de circo para humanizar o atendimento. É uma questão de profissionalismo e sobriedade.
BE – Como manter um curso de medicina atualizado?
Toufic Anbar Neto – O maior desafio de uma faculdade de medicina é não deixar o curso envelhecer. Na década de 1980, demorava sete anos para o conhecimento médico dobrar. Em 2010, caiu pela metade, três anos e meio. Atualmente, dobra a cada três meses. Um curso de medicina dura seis anos. Na melhor das hipóteses, o conhecimento se renovará 24 vezes! É uma decisão muito difícil escolher o conteúdo que entra e o que fica de fora de um curso de medicina. E tem ainda a difícil tarefa de incluir novas disciplinas tais como Inteligência Artificial, Empreendedorismo, Medicina Aeroespacial, Saúde Global (condições de saúde decorrentes de alterações climáticas, deslocamento de grandes contingentes populacionais por guerras e conflitos armados). A atualização do design curricular, dos conteúdos, das tecnologias e das metodologias devem ser em tempo real.
BE – Como é o desafio de conciliar várias gerações trabalhando juntas numa escola médica?
Toufic Anbar Neto – Existe um hiato geracional importante entre professores e alunos e atualmente até entre os ingressantes e os concluintes. O perfil dos alunos mudou. O jeito de fazer as coisas mudou. O jeito de ensinar e aprender também. O conflito de gerações, que sempre existiu, está mais agudo. Não existe o “meio termo”. Nós (gestão e professores), temos que ir até eles. Exige muita paciência e dedicação. Preocupo-me quando escuto a frase “no meu tempo era melhor”. Na hora eu lembro que não existia computador e a internet e o acesso a boas informações era bem limitado. Pior que esta frase é aquela “sempre deu certo”. Fico pensando: “para quem?” Para um professor que há muito tempo ministra a aula do jeito que quer, à revelia do restante do curso, faz provas muitas vezes com caráter punitivo e depois entrega a planilha na secretaria? Realmente, para ele deu certo. E para o aluno? Ele aprendeu o que devia saber ou apenas passou de ano? Cada geração tem suas particularidades. Conhecê-las e harmonizá-las é o único caminho para se ter um bom ambiente acadêmico.
BE – Existe a gestão democrática de uma escola?
Toufic Anbar Neto – Sim existe, mas dá muito trabalho implantar e consolidar uma gestão democrática e participativa. Não existe a mínima chance de sucesso se os estudantes, os professores e os funcionários não forem ouvidos. Há que se evitar o assembleísmo e o ativismo vazio. A gestão tem que ser mais prática e realista. Eu sempre digo que a crítica é um presente. Mostra o que pode ser melhorado. A crítica não deve ser considerada uma ofensa nem algo pessoal. Até as críticas injustas são úteis. Aprende-se muito tentando descobrir por que não existe uma boa percepção sobre algo que é bom. Mas para isso, é necessária muita maturidade institucional.
BE – Qual a importância das medidas preventivas em saúde e como elas poderiam ser implementadas de forma eficaz no sistema público?
Toufic Anbar Neto – É tudo uma questão de escolhas de políticas públicas pelos governantes. Prefere tratar e acompanhar o diabético e o hipertenso na atenção básica ou fazer transplante de rim e cirurgia cardíaca? Prefere combater o mosquito transmissor ou jogar a culpa dos problemas numa UPA superlotada? Quando a política de saúde privilegia a medicina preventiva, fica bem evidente a melhoria dos indicadores de saúde da população. A prevenção e promoção da saúde são no mínimo uma questão econômica. O sistema de saúde, tal qual está estruturado, como foco na atenção terciária e quaternária, é impagável. Não há orçamento que dê conta.
BE – Segundo dados da Fundação Seade, Rio Preto conta com 5,4 médicos por mil habitantes. O que essa estatística representa para a cidade em termos de acesso à saúde?
Toufic Anbar Neto – Teoricamente, a presença de mais médicos pode significar melhor acesso a tratamentos, mas não é o que acontece. O número total de médicos não garante que todas as áreas tenham acesso igualitário. Nos bairros mais distantes do centro, habitualmente o único serviço de saúde existente é o serviço público (UBS, UPA). Existem bairros da cidade onde a proporção de médicos por mil habitantes é inferior a 0,5 médico por mil habitantes. Por outro lado, bairros com população de alta renda, podem superar a marca de 10 médicos por mil habitantes. Mesmo com muitos médicos, a demanda no SUS continua elevada.
BE – Quais os diferenciais do curso de medicina da Faceres?
Toufic Anbar Neto – Qualidade é uma palavra vaga. São instituições certificadoras quem devem dizer se a faculdade é boa. Temos perseguido e obtido várias certificações importantes, principalmente as internacionais. Frequentamos os principais congressos de educação médica do mundo. Acompanhamos em tempo real as transformações que o ensino médico vem sofrendo, tanto do ponto de vista estrutural quanto tecnológico. A Faceres é a faculdade de medicina com o maior número de mesas digitais do Brasil. Temos o único laboratório de raciocínio clínico do país. Utilizamos também programas de realidade virtual. Muitos equipamentos que utilizamos, conhecemos antes deles chegarem ao Brasil. Nosso laboratório de simulação foi o primeiro da região e um dos primeiros do interior paulista, construído no começo de 2014. A internacionalização do curso está caminhando a passos largos. Hoje temos um número expressivo de alunos que fazem disciplinas em faculdades de medicina no exterior e também recebemos alunos de outros países. Investimos muito em capacitação dos professores e funcionários. Este é talvez o maior diferencial: trabalho em equipe com todos unidos em torno de um propósito: formar bons médicos. Os alunos sentem isso!
BE – A Faceres é uma faculdade com muito verde, arborizada e sabemos que o senhor é uma pessoa que valoriza muito essa questão. O senhor acredita que ambientes assim contribuem para mais qualidade de vida e saúde?
Toufic Anbar Neto – Quando se fala em arborização, é necessário ter em mente que estamos falando em um horizonte de décadas. O que fazemos hoje, terá reflexos para as próximas gerações. Nós plantamos e cuidamos de mais de 10 mil árvores dentro e fora do campus, até atingirem três anos e terem condições de se desenvolverem sozinhas. Estamos investindo na preservação de nascentes de rios, plantando árvores no seu entorno e na mata ciliar. Temos um programa há 10 anos, batizado “morte ao papel”. As provas da faculdade são todas eletrônicas. Economizamos neste período mais de 1,28 milhões de folhas de sulfite. No campus temos a praça das árvores, onde cada turma que se forma planta uma árvore e coloca a sua placa registrando a sua passagem pela faculdade. Já estamos na terceira praça! Árvores são fatores primordiais para um bom clima, fortalecimento de ecossistemas e continuidade do ciclo da água. Isto é saúde!
BE – Para finalizar: que conselho deixa aos jovens que aspiram seguir a carreira médica?
Toufic Anbar Neto – A medicina é uma carreira desafiadora. Exige vocação para o cuidado, dedicação intensa e uma grande disposição para lidar com desafios diários e as frustrações, pois nem sempre o resultado será o esperado. É uma jornada de longo prazo. O sucesso na medicina depende de disciplina e organização. O bom médico é aquele que escuta bem e se comunica com clareza. Ele é curioso e nunca para de estudar, pois a medicina está em constante evolução. Ser médico é um compromisso com a vida e com a ciência. Ele é um profissional que tem condições de fazer a diferença na vida das pessoas. Vale muito a pena ser médico!