NO PALCO E EM FRENTE ÀS CÂMERAS
Guta Ruiz, de 49 anos, nasceu em Santos (litoral de São Paulo) e tem uma extensa carreira como atriz. Ela tem uma ligação especial com Rio Preto, por causa de seu pai que atua aqui, o médico hematologista Milton Artur Ruiz. Ruiz é colunista da Bem-estar e foi professor da USP. Hoje coordena a unidade de transplante de medula óssea do Hospital Infante Dom Henrique, da Associação Portuguesa de Beneficiência.
Graduada em Artes cênicas pela Faculdade de Artes do Paraná, Guta já trabalhou com os diretores Felipe Hirsch, Jô Soares, Marcelo Rubens Paiva (autor do livro que inspirou o aclamado Ainda Estou Aqui), Otávio Martins, Mário Bortolotto, Débora Dubois, dentre outros.
Guta esteve no elenco de produções como Bruna Surfistinha, Mamonas Assassinas – O Filme, Avassaladoras 2.0 e Bala Sem Nome, além de Biônicos, do streaming Netflix. Também fez parte de séries como Alice, O Negócio e PSI (HBO), Vale dos Esquecidos (HBO Max), Toda Forma de Amor (Canal Brasil) e Sintonia (Netflix). Ainda na televisão, abrilhantou Passione, vencedora do Emmy Internacional Awards, e Joia Rara, ambas da TV Globo.
No teatro, um dos trabalhos de mais destaque foi uma temporada de um ano como protagonista do espetáculo A Noite de 16 de Janeiro, dirigida por Jô Soares.
Guta Ruiz foi vencedora do Prêmio Aplauso Brasil de Teatro, por voto popular e também com o voto da crítica, como melhor atriz coadjuvante pela peça Pergunte ao Tempo. No Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, concorreu a melhor atriz coadjuvante pelo papel em Bruna Surfistinha.
Com um currículo vasto e marcante, a atriz acredita que alcançou seus objetivos profissionais e revela que foi até mais longe do que um dia havia imaginado. “Realizei muitas coisas que sonhei, outras que nem imaginava, como trabalhar diretamente com o Jô Soares, por exemplo.” Parar, no entanto, não faz parte de forma alguma do seu planejamento. “Ainda tenho muitos sonhos que pretendo realizar”, garante.
O foco é continuar atuando, principalmente em co-produções internacionais, algo que sempre teve como objetivo. “Acho que uma vilã como Odete Roitman de Vale Tudo cairia como uma luva em mim e aproveitaria demais”, diz. “Também quero ir para trás das câmeras, fazendo direção e roteiro, realizando um projeto meu desde a concepção, até a produção e lançamento.”
Neste momento solteira e sem filhos, Guta considera importante ressaltar que é possível estar bem sozinha. “A mulher que não casou e não tem filhos pode ser realizada e feliz. Reitero isso pois o fato de ir na contramão de uma sociedade que espera isso das mulheres não significa que não possa estar bem consigo mesma. A solitude também é uma bênção, acredita.
Para ela, assistir a filmes e séries trata-se de mais do que lazer, pois vê como trabalho também. “Gosto de viajar, ir ao cinema e frequentar exposições, e também ler, comer e dormir. Um bom passeio na praia ou trilhas é o que estou amando no momento”, conta.
Para a vida pessoal, também há vários planos. “Mas ainda estão embrionários e guardados no meu coração e mente.”
Em entrevista exclusiva à Bem-estar, a atriz fala dos planos para o futuro e carreira.
Bem-estar (BE): O que a motivou ser atriz?
Guta Ruiz (GR): Desde criança, eu sempre vi muitos filmes, novelas, seriados. E costumava ficar vidrada nas atuações, procurava imitar, vivenciar a vida daqueles personagens. Eu criava uma realidade paralela em minhas brincadeiras e com o tempo percebi que era feliz com aquilo.
BE: Você está com algum projeto em andamento? Poderia nos falar sobre ele?
GR: Olha, tenho alguns projetos em andamento sim, mas infelizmente ainda não posso adiantar nada.
BE: Qual trabalho foi marcante em sua carreira?
GR: Tenho paixão por vários personagens meus, mas, sem dúvida, a Carol do Bruna Surfistinha foi um destaque muito legal na minha carreira. Destaco também meu primeiro trabalho no audiovisual, que foi a Renata da série Alice da HBO, a Andrea Karen, protagonista da peça do Jô Soares (A Noite de 16 de Janeiro), a peça Pergunte ao Tempo, que me deu dois prêmios de Melhor Atriz Coadjuvante, a Hanna, de Toda Forma de Amor, a primeira série com temática de identidade de gênero no Brasil. E a novela Joia Rara, onde trabalhei o meu lado cômico, que adoro, e a novela ainda ganhou o Emmy Internacional!
BE: Você imprimiu sua personalidade em algum personagem? Da mesma forma, aprendeu algo com um personagem interpretado que leva hoje para a vida?
GR: Eu parto do pressuposto que todo personagem leva um resquício da minha personalidade. Mesmo personagens com caráter duvidoso, como a Carol do Bruna Surfistinha, eu não julgo o personagem. Costumo tentar raciocinar pela lógica dele e me identificar com algo que ele sinta ou pense, tentando humanizar e não criar preconceitos. E isso me aproxima, me faz vivenciar melhor, e traz algumas características minhas para meus papéis. Aprendo sempre muitas coisas com os personagens. Já posso dizer que sou psicóloga, inclusive, por causa da Hanna.
BE: Qual trabalho elevou sua carreira a um novo patamar no cinema e na televisão?
GR: O filme Bruna Surfistinha, que teve muito muito sucesso e repercussão na época do seu lançamento (2011), e retornou com força quando foi para a Netflix.
BE: Com qual ator/atriz ou diretor você mais gostou de contracenar? Por que?
GR: Difícil falar uma pessoa só,mas cito algumas mulheres generosas com quem trabalhei: Vera Holtz, Deborah Secco, Paolla Oliveira, Danielle Winits, Rosi Campos, Erica Montanheiro, Tuna Dwek, Mariana Melgaço e Gabrielle Lopes. E todos os atores que foram meus parceiros amorosos foram sensacionais e respeitosos comigo.
BE: Considera o streaming um mercado promissor? Qual foi a diferença mais sentida entre a atuação na TV aberta e os trabalhos na HBO e Fox?
GR: Acho muito promissor sim, e espero que seja cada vez mais amplo, para dar espaço a muitos atores talentosos que não são conhecidos do grande público. Vou fazer uma analogia bem simples e talvez um tanto tosca: para mim, a atuação na TV aberta é mais como um churrasco de família. A do streaming é mais uma DR madura de relacionamento. Deu para entender o tom de cada uma?
Mas brincadeiras à parte, vejo que as atuações para os canais como Fox e HBO são mais próximas do cinema, mais naturais e próximas da realidade, seja ela trágica ou cômica, e sem tanto exagero de emoções. A TV aberta, as novelas, pedem um melodrama, um exagero. A tragédia real não precisa de choro e gritos, ela é contida. Quem sofre não quer mostrar, quer esconder. O que eu gosto sempre é de ver um ator falando, escutando e contracenando de verdade, entregue, com outro ator, e respirando de fato na cena. Mesmo na atuação contida, eu preciso sentir a energia saindo do ator, o “punch” dele, a respiração, o suor...para mim tudo isso imprime emoção verdadeira. E isso contagia qualquer espectador, seja em qual formato for.
BE: Como você se prepara para um novo personagem? O que leva em conta para assumir um trabalho?
GR: Para cada personagem tenho uma preparação distinta, não tenho um padrão. A questão do entendimento e pesquisa sobre quem ele é, o que ele pensa, sente, quais seus valores, motivações, até ir para a ação do texto, isso costumo fazer para todos os personagens. Eu gosto de personagens complexos e contraditórios, que não sejam unanimidade. Aqueles que são controversos diante dos olhos do público.
BE: Como você avalia a abertura do mercado para modelos de todos os biotipos e idades? Esse movimento trouxe mais perspectivas de trabalho para você?
GR: Acho superimportante a inclusão de todas as formas, levando em consideração, biotipos, raças, gênero e tudo mais. O que eu prezo é a qualidade artística. E acho, muitas vezes, que falta experiência e formação, e esse é um ponto que deve ter muito investimento mesmo, priorizando e democratizando a educação e formação de quem não pôde ter acesso. Por um outro lado, vejo também que tem artistas maravilhosos com muito histórico e qualidade artística que estão tendo dificuldades de trabalhar porque não estão exatamente encaixados no perfil de inclusão. E isso eu não acho legal. Acho que precisávamos entrar com força e impor alguns perfis até então esquecidos, mas penso que deve haver um equilíbrio, para não se deixar de lado grandes talentos.
BE: Você é uma profissional versátil, com diversas formações. Há algum trabalho que ainda não realizou, mas planeja realizar?
GR: Ah, tanta coisa. Quanto mais eu realizo, mais sinto que faltam coisas. Como eu disse anteriormente, além da área artística tenho outras paixões que ainda estou desenvolvendo e pesquisando. Até como forma de subsistência mesmo, porque viver como artista nesse país não é fácil e nem mamata, não. A realidade é bem outra. Eu que não vim de família abastada, não casei e nem divido contas, tenho que sempre me virar por mim mesma, o que me faz ser inquieta e ter vontade de descobrir novas forma de viver com equilíbrio e alegria. E dentro da minha área... tantos personagens que sonho! Eles ainda existirão em minha vida, tenho certeza disso. E logo mais vocês também os verão por aí, em algum palco, telinha ou telona desse país. Assim espero e desejo!