Do Tribunal ao terceiro setor: o compromisso com o bem comum
Luiz Roberto Ferrari construiu uma sólida trajetória de dedicação à advocacia, à causa pública e à promoção da justiça social. Também possui um histórico marcante de participação em entidades sociais, jurídicas, esportivas e religiosas. Entre suas contribuições estão cargos de diretoria na OAB-SP (22ª Subseção), atuação como conciliador no Juizado de Pequenas Causas, além de diversas funções em conselhos estratégicos de instituições públicas e privadas — como a Faperp, Semae, Riopretoprev e o Conselho de Água e Esgoto do município.
Sua vocação o levou a se dedicar especialmente ao terceiro setor, defendendo os interesses de fundações e entidades sem fins lucrativos como a Fundação de Apoio à Pesquisa e Extensão de Rio Preto (Faperp), na qual foi conselheiro e posteriormente eleito presidente do Conselho Curador, e atualmente, é assessor juridico.
Ao longo de sua carreira, Ferrari também se destacou na defesa da liberdade de imprensa, assessorando por décadas o jornal Diário da Região em momentos decisivos para a preservação do direito à informação. Recentemente, foi homenageado pela OAB de São Paulo com a “Láurea de Agradecimento”, coroando sua trajetória ética, dedicada e influente. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela antiga Fadir, hoje Unirp, graduou-se em 1983 e é sócio da Ferrari Stefanini Sociedade de Advogados, tendo como associado Kleber Ferrari Stefanini. Desde os tempos acadêmicos já demonstrava liderança, tendo atuado como diretor tesoureiro e depois presidente do Diretório Acadêmico Primeiro de Outubro.
Nascido em Potirendaba, Ferrari tem 70 anos, é casado desde 1980 com Sônia Cristina Barguena Ferrari, com quem tem duas filhas: Thalita, equoterapeuta, e Thuany, servidora do Poder Judiciário Estadual, e é avô de três netas, Maria Fernanda, Lorena e Lavínia.
Leia a entrevista:
BE - O senhor teve alguma inspiração para escolher a carreira jurídica?
Luiz Roberto Ferrari - Minha vocação e inspiração para a advocacia provêm do interesse na defesa do indivíduo e na preservação dos valores da sociedade. Despertou-me seguir a carreira jurídica o estado de espírito voltado pelas questões sociais e políticas, aprendizado que tive no ensino médio, quando militava nos grêmios estudantis. Enxergava na profissão de advogado como aquela que podia desempenhar a promoção do bem comum objetivando a satisfação das necessidades humanas.
Entretanto, quando era um jovem advogado, meu interesse era a área criminal por despertar o ânimo de fazer justiça àqueles desprotegidos e desamparados pela sociedade. Contudo, em pouco tempo, fui me decepcionando ao sentir que a clientela estava sendo formada por reincidentes infratores. Vi, então, que não estava contribuindo com uma sociedade mais justa e igualitária e, sim, auxiliando no aumento da criminalidade. Desisti de atuar neste segmento.
BE - Como generalista, atua na área do direito de família e do direito administrativo em favor das atividades das fundações (pessoas jurídicas constituídas por meio de escritura ou testamento que administra patrimônio para fins sociais ou de interesse público, sem fins lucrativos). Quais os desafios da profissão nessas áreas o senhor destacaria?
Luiz Roberto Ferrari - As fundações fazem parte do terceiro setor, que tem como principais características não ter fins lucrativos e atuar em benefício da sociedade. Podem, contudo, obter e gerar excedentes econômicos, não devendo ser este seu objetivo principal. Fazem parte do terceiro setor as fundações, as organizações e ou associações sociais, beneméritas, culturais, filantrópicas ou religiosas, dentre outras áreas de atuação. Não integram o Estado (primeiro setor), nem o mercado (segundo setor). O terceiro setor substitui o primeiro setor naquilo que este não alcança e que é fundamental para atender às necessidades da população e do interesse público, impactando a vida de muitas pessoas e gerando riquezas e empregos sendo importante para o desenvolvimento e economia do País.
Os principais desafios na área de atuação na defesa dos interesses das fundações e do terceiro setor, sem dúvidas é o da sustentabilidade financeira, em primeiro plano, em seguida e no mesmo sentido, a busca e geração de recursos. Há escassez de recursos e ausência de profissionais competentes e habilitados para sua prospecção. Notadamente, outro desafio, não menos importante, é a inexistência no mercado de gestores eficientes neste segmento. Inovação e uma estrutura interna moderna e bem aparelhada são itens que não devem ser desprezados e igualmente são desafiadores.
BE - Em sua jornada profissional, quais os episódios mais marcantes?
Luiz Roberto Ferrari - Foram muitos fatos que marcaram o exercício da profissão na atividade jurídica em defesa da liberdade de expressão e de prestar informações ao leitor. Numa ocasião, o jornalista Allan de Abreu, repórter investigativo do Diário da Região, obteve informações sigilosas sobre uma operação policial denominada “Operação Tamburataca”, deflagrada pela Polícia Federal, cujo inquérito encontrava-se sob a custódia da Justiça Federal. Referida operação investigava um esquema de corrupção entre auditores fiscais, empresários e representantes de entidades sindicais, cujo objetivo era burlar leis trabalhistas com o pagamento de propina. O jornal publicou a reportagem com as conversas telefônicas interceptadas por ordem judicial entre as pessoas investigadas na operação, as quais estavam sob segredo de justiça. Foi então, a pedido do Ministério Público, que viu no ato o crime por quebra do segredo de justiça, instaurado inquérito contra os jornalistas Allan de Abreu e Fabrício Carareto, este, por ter na ocasião, na condição de editor-chefe da redação, autorizado a divulgação da matéria jornalística. Encerrou-se a ação penal contra os jornalistas por meio de habeas corpus e de reclamação perante o Supremo Tribunal Federal, que entendeu ser importante resguardar a liberdade de imprensa, suspendendo decisão judicial que autorizava a quebra de sigilo telefônico ao jornal.
BE - Recentemente, o senhor foi homenageado pela Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB/SP) com a “Láurea de Agradecimento”. Qual foi seu sentimento?
Luiz Roberto Ferrari - Receber da seccional de São Paulo a Láurea de Agradecimento é de extremada honra, com muito orgulho recebo e com humildade reconheço nessa homenagem uma conquista pelos anos dedicados ao Direito e à Justiça. Nestes anos de exercício profissional, procurei defender a classe e as prerrogativas da advocacia. Tive oportunidade de honrar e representar a classe na condição de diretor tesoureiro da OAB local em dois mandatos distintos e servir como assessor em outros mandatos. Dediquei-me à advocacia com responsabilidade, zelo e acima de tudo ética, reafirmando meu compromisso com a Justiça e com a classe. Muito feliz e abençoado por receber tão significativa homenagem.
BE - O senhor tem uma marcante atuação na defesa dos direitos de informação, da liberdade de imprensa., militando nesta área desde quando vigia a Lei de Imprensa, a Lei n. 5.250/67. Como o senhor vê o papel da imprensa na atualidade?
Luiz Roberto Ferrari - Remontando à Lei n° 5.250/1967, a Lei de Imprensa, ela foi criada pelo governo militar no período da ditadura onde, sabe-se bem, a atividade jornalística era restrita com a imposição da censura prévia em que, dentro das redações um censor, normalmente um militar, determinava o que poderia ou não ser divulgado. Devido à restrição e por conta dela o jornal Estadão chegou a publicar receitas culinárias em substituição às notícias coletadas por seus jornalistas. Nesse período, bancas de jornais foram incendiadas, redações invadidas e jornalistas torturados, mortos e muitos desaparecidos. Somente em abril de 2009 o STF decidiu tornar sem efeito a Lei de Imprensa, petição da ADPF 130. Neste longo e vergonhoso período as informações recebidas pela população eram restritas aos interesses governamentais. Foi um longo período de censura e controle de informações. Detenções e prisões eram comum. Veículos de comunicação eram multados e ameaçados. Tudo teve fim com a decisão do STF, relator o Ministro Carlos Ayres Pinto pondo fim à censura e restrição à informação. Atualmente há uma proliferação de fontes de informação devido ao crescimento e disseminação de canais alternativos através da rede mundial de computadores. Alguns confiáveis outros nem tanto. Contudo, a imprensa tradicional se mantém dentro de um nível de confiabilidade bastante aceitável. Não por acaso. A mídia, a comunicação tradicional, segundo revelou pesquisa recente, foi considerada fonte mais confiável e mais capaz de combater informações falsas, em meio ao consumo digital massivo. Apesar do crescimento explosivo das redes sociais e da denominada imprensa digital, o jornalismo tradicional continua sendo um pilar na busca e divulgação de informações confiáveis.
BE - Há décadas, o senhor atua em ações na defesa do Diário da Região. Teria alguma curiosa que poderia mencionar?
Luiz Roberto Ferrari - Poderia citar alguns mas ficarei restrito a um episódio que ocorreu por ocasião de um jogo do América no velho estádio Mário Alves Mendonça. O diretor chefe de redação do Diário da Região era o saudoso e inesquecível Vislei Bosan, que atendia pelo sugestivo nome artístico Mário Luís. O time do América na ocasião não andava bem das pernas e sua diretoria, um pouco adepta ao autoritarismo não aceitava a publicação das informações veiculadas pelo repórter Milton Rodrigues, que em seus textos tecia críticas fundamentadas naquilo que coletava. Então, num gesto autoritário, o presidente do América houve por bem em proibir a entrada do repórter para cobrir o jogo contra o Palmeiras. Não teve acordo! O jeito foi promover uma ação judicial com pedido de liminar no qual o magistrado Dr. Antônio Carlos Tafari deferiu o pedido, determinando que nenhum impedimento houvesse a obstar seu ingresso no jogo e nas dependências do estádio. Milton Rodrigues pode assim exercer seu trabalho de jornalista e prosseguiu com sua verve crítica costumeira.
BE - Como o senhor conheceu o Dr. Norberto Buzzini? Poderia nos contar sobre a relação de amizade de vocês?
Luiz Roberto Ferrari - Conheci Dr. Norberto Buzzini na década de 1980, quando fui convidado a integrar o departamento jurídico do jornal Diário da Região, ocasião em que ele era presidente da diretoria executiva. O Jurídico necessitava de alguém para auxiliar nas cobranças e pequenos serviços jurídicos e eu, recém-formado, aceitei o convite. Logo percebi a grandeza e a diversidade de uma empresa jornalística como era o Diário da Região, tudo era muito diferente de uma empresa comum, o movimento de pessoas, a agitação da redação e dos repórteres, o cheiro de tinta das antigas impressoras e do barulho que faziam. Enfim, era um mundo diferenciado. Dr. Norberto Buzzini, tendo sempre ao seu lado a esposa Neuza Castro Buzzini, casal inovador e com visão empresarial ímpar, trouxeram a modernidade para a empresa ao adquirir um novo sistema de impressão, na época o mais moderno processo de impressão de jornais, um conjunto de maquinas off-set, uma verdadeira revolução no jornalismo interiorano. Apenas os grandes jornais utilizavam e o Diário da Região, com muita luta e sacrifício do Dr. Norberto Buzzini e Neuza Castro Buzzini, deu de presente à cidade. Foi necessário muito esforço e sacrifício do casal. E o tempo foi passando até que assumi o jurídico do jornal, onde presto assessoria até os dias atuais. Nesse tempo todo de convivência, posso assegurar que foi o período de maior aprendizado que tive e não estou me referindo apenas às questões jurídicas e forenses, mas de aprendizado humano. Com a proximidade e maior contato pessoal com Dr. Norberto Buzzini, pude ver nele a figura humana invejável e exemplar, passando a tê-lo como meu guia, tantos foram os ensinamentos recebidos. Via nele um homem moderno, honesto, humilde, sábio e de firmes convicções. Sempre com uma conversa agradável, dono de uma cultura invejável, apreciador de uma boa leitura e da música italiana, conhecia como ninguém a história antiga e da humanidade, citava regularmente grandes filósofos e pensadores. Um homem muito moderno e inovador para seu tempo. Certa ocasião, ao dialogar a respeito da advocacia, das atividades forenses e de seus postulados, definiu como sendo algumas das grandes virtudes que se espera do bom advogado: a de ser honesto e de ter amor ao direito. Enfatizava que não bastava ser competente e conhecedor das leis e do direito, se não fosse honesto e probo. Contudo, talvez a maior das lições que me ensinou, e que sempre foi sua maior qualidade, sem dúvidas foi a da prática da generosidade. A partilha sempre fez parte de sua vida, buscava sempre auxiliar àquelas pessoas que o procuravam. Aos que necessitavam, inclusive, colaborava com projetos assistenciais; essa característica sempre fez parte de sua vida. Quando exerceu a vereança, a remuneração era doada à assistência social. Foi presidente do Palestra Esporte Clube, ocasião em que o clube mais cresceu e os associados que competiam nos esportes, receberam as maiores premiações e medalhas nas disputas. Palmeirense de coração, não perdia a oportunidade de me provocar pelo fato de ter sido na minha infância torcedor do Palmeiras e convertido ao Corinthians. Cresci, aprendi e amadureci graças ao Dr. Norberto Buzzini.
BE - Como o senhor vê o acesso da população em geral à Justiça?
Luiz Roberto Ferrari - A Constituição Federal dispõe ser direito fundamental do cidadão o livre acesso ao Judiciário. Esse direito é conhecido como princípio da inafastabilidade da jurisdição. Nome bonito e sugestivo. Contudo, sabe-se por levantamento recente, que 25% da população brasileira está potencialmente à margem do sistema da justiça e impedida de reivindicar seus direitos por meio da Defensoria Pública. Dados da Pesquisa Nacional da Defensoria Pública 2022 revela, então, que a população economicamente vulnerável não tem acesso à Justiça. Faltam planejamento e ações estratégicas para o aprimoramento estrutural do estado para a melhoria dos serviços jurídicos assistenciais prestados à população.
BE - Com tantos cursos de direito disponíveis, qual sua análise sobre a formação de advogados hoje?
Luiz Roberto Ferrari - Atualmente, o curso de direito tem a duração média de cinco anos e a grade curricular inclui disciplinas de todos os ramos do direito. Os cursos necessitam do reconhecimento do Ministério da Educação e, após a conclusão, o acadêmico deve se submeter e ser aprovado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Houve, nos últimos anos, um aumento exponencial e significativo de faculdades de direito no Brasil. Vejo este aumento motivado pela procura em razão da valorização da profissão e financeiramente compensatória. Há, sim, uma preocupação com a proliferação de cursos, contudo, observamos também o nível de qualidade do ensino jurídico no qual se constata a exigência de um corpo docente qualificado impactando diretamente na carreira.
BE - O mercado está saturado?
Luiz Roberto Ferrari - A carreira jurídica sempre ofereceu oportunidades e está em constante evolução por ser uma das mais antigas, importantes e tradicionais. Tem-se tornado cada vez mais exigente e a concorrência é grande. O mercado é amplo, não se resume à advocacia. Existe uma gama imensa de oportunidades na carreira. No campo da advocacia, pese o número de profissionais, há espaço àquele que se especializa e busca o aprimoramento profissional procurando atuar em áreas diferentes, porque o mercado está sempre em evolução.
BE - Qual setor jurídico o senhor acredita que há uma oportunidade de crescimento?
Luiz Roberto Ferrari - Talvez, hoje, os ramos do direito que demonstram ascensão, para ficarmos restritos a alguns exemplos, são o Direito Digital, Tecnologia da Informática, Tributário, Compliance, Ambiental, Biodireito e Previdenciário. Essas áreas têm experimentado transformações e estão em constante evolução refletindo e significando uma mudança geral de comportamento na sociedade. É uma tendência de mercado indicando e dando sinais de necessidades da evolução num sentido determinado numa inclinação e direcionamento para novas oportunidades.
BE - Como a inteligência artificial contribui para o trabalho diário dos advogados?
Luiz Roberto Ferrari - O advogado deve estar em constante evolução. Deve ser moderno e inovador, adaptando-se e estando aberto às novas tecnologias. Exige-se, portanto, que acompanhe e antecipe as tendências do mercado, capacitando-se na gestão de tempo e produtividade utilizando ferramentas de gestão, sob pena de se excluir naturalmente. Estamos falando de uma área na qual o aprendizado é contínuo e ininterrupto; com isso, a adoção de novos recursos que objetivem a eficiência jurídica e potencializem os resultados é imprescindível. Assim, a inteligência artificial, muito embora a classe dos advogados esteja em experiência inicial, já é uma realidade e trata-se de uma ferramenta importantíssima a ser utilizada em grande escala na prática das atividades jurídicas. A inteligência artificial veio para otimizar o tempo elevando a produtividade e a eficiência. Nada, porém, substitui o talento do profissional.
BE - Que conselhos o senhor daria para quem está iniciando a carreira jurídica?
Luiz Roberto Ferrari - São muitas as ocupações quando se trata da carreira jurídica. Muitos campos de atuação, incluindo a advocacia, passando pelas áreas de magistrado, promotor de justiça, servidor público em diversos cargos trazem dezenas de opções e oportunidades para o exercício funcional. No campo da advocacia - e aqui não se trata de conselhos, mas sim de recomendações para a prática forense - diria que o jovem advogado deve seguir para aquilo que é vocacionado, que possua gosto e aptidão na área que pretende atuar. Para isso, é preciso estudar bem o mercado de trabalho, especializar-se, planejar, inovar e dedicar-se à pesquisa ininterruptamente, mantendo-se atualizado. Para atingir o sucesso, as principais recomendações seriam a qualificação, dedicação, motivação, entusiasmo e prazer em servir. Lembrando que sem a paixão e o amor ao direito e à Justiça não há sucesso.