CIÊNCIA. RELIGIÃO
Desde que o Homo sapiens vive em grupos, ele se “religou”, passou a ter Religiões. A busca por desvendar enigmas da vida associa-se à crença numa unidade que conecta tudo, onipotente e onipresente que criara o mundo. Nas primeiras cenas de ‘2001 - Uma Odisseia no Espaço’ (1968), de Stanley Kubrick, ouvem-se grunhidos. Num amanhecer, alguns primatas saem da caverna e veem um inexplicável granito lapidado. Não ousam tocá-lo. Pressagiam uma energia ancestral não vinculada às coisas palpáveis, mas a um “motor imóvel” que move todos os motores (Tomás de Aquino). Na cena seguinte, uma espaçonave vai pelo céu a unir aquela energia do ontem ao depois. No hoje, Caetano Veloso alude a esse misterioso alento: “Por isso uma força me leva a cantar / por isso essa força estranha no ar...”.
Diferente de opiniões que se tenham dos seres e das coisas, escreveu o filósofo Nicola Abbagnano (‘Dizionario di Filosofia’, 1971): a Ciência “provê a garantia de sua validade demonstrando suas afirmações, isto é, interligando-as num sistema ou num organismo unitário no qual cada uma delas seja necessária e nenhuma possa ser retirada, anexada ou mudada”. O conhecimento científico é lógico, obtido por meio da experiência, e verificável. Assim, Ciência e Religião pertencem a ordenamentos distintos. O primeiro opera na esfera do mundo natural, busca responder do que o universo é formado e como funciona. O segundo, na esfera dos desígnios e crenças humanas.
Incluem-se nessa dicotomia as vertentes Criacionista e Evolucionista. Dela derivam quatro concepções fundamentais. A Criacionista (1), centrada na tradição e dogmas sagrados, acredita que os seres vivos foram criados por Deus. A evolucionista-materialista (2), embasada na ciência, propõe que a matéria sempre existiu e que a origem e evolução do universo, e da vida na Terra, se deram por fatores naturais.
As outras concepções são menos conflitantes. A Criacionista-evolucionista (3) aceita que a origem e evolução do universo e dos seres se deu por fatores naturais, graças ao potencial evolutivo conferido à matéria por Deus. Em discurso na Pontifícia Academia das Ciências do Vaticano (2014), o Papa Francisco enunciou que o Big Bang e a Teoria da Evolução são reais. Criticou os que interpretam o ‘Gênesis’ supondo que Deus “tenha agido como um mago, com uma varinha mágica capaz de criar todas as coisas”. E mais: “Evolução da natureza não é incompatível com a noção de criação, pois exige a criação de seres que evoluem”. Na concepção Evolucionista-agnóstica (4), o neodarwiniano é adotado. Não aceita a existência divina, mas não a rejeita porque a hipótese da existência de Deus não pode ser testada. Não pertence à ciência, pois é exterior a ela, impossível de se provar ou refutar.
Reflexões do biólogo norte-americano Stephen Jay Gould (‘Pilares do Tempo’, 2002) ponderam que, se as religiões não estabelecem conclusões factuais sobre a existência, senão pela fé, os cientistas não conseguem propor verdades morais a respeito delas. Humildade é fator essencial num mundo de entendimentos diferentes da vida. E só assim, num mar de indagações sobre o que somos e donde viemos, ponderamos nesta crônica: ‘...E la Nave Va’, lembrando o belo filme de Fellini.