Para quem é o nomadismo digital?
Era uma vez um vírus microscópico que virou o planeta de cabeça pra baixo — e levou junto as cadeiras giratórias, os cafezinhos no corredor e o ar-condicionado gelado dos escritórios. De uma hora para outra, o mundo aprendeu o que é home office. E não aquele esquema remoto improvisado que só os freelancers conheciam. Foi home office de verdade, que pegou do operacional ao CEO, com direito a chamadas de vídeo às 9h e uma profusão de ferramentas de gerenciamento de tarefas.
Durante um tempo, parecia que tínhamos reinventado a forma de trabalhar. As empresas celebravam a produtividade, os funcionários exibiam suas plantas e seus gatos nas videoconferências, e surgia aquela fantasia sedutora: “Se posso trabalhar de qualquer lugar... por que não de Paris? Ou de uma praia no Ceará?”
Surge aí o nômade digital, que troca o crachá por um passaporte e o relógio de ponto por um Wi-Fi decente. O trabalhador 100% remoto virou o novo símbolo de liberdade e a tecnologia, claro, foi a fada madrinha disso tudo: notebooks leves, nuvem para guardar o mundo, ferramentas de colaboração online, tradutores simultâneos, apps que fazem até o café se bobear. Tudo colaborava para que o trabalho fosse, enfim, libertado da geografia.
Mas aí... algo começou a chiar.
Primeiro, uma sensação esquisita de estar sempre meio on-line, meio off-line. Depois, o Zoom deixou de parecer uma revolução e passou a parecer uma prisão com moldura digital. As fronteiras entre o horário de trabalho e o resto da vida viraram fumaça. E os mesmos executivos que antes defendiam a liberdade do home office começaram a pedir "um retorno gradual e híbrido" — expressão elegante para dizer: “volta pro escritório, vai”.
Hoje, em 2025, cada vez mais empresas estão chamando a turma de volta para o presencial, pelo menos algumas vezes por semana. E os nômades? Continuam por aí, mas menos mitificados.
No fundo, a grande pergunta que ficou desse ciclo todo é uma só: a gente precisa mesmo de rotina?
A tecnologia disse “não” com todas as letras. Deu liberdade, deu mobilidade, deu aplicativos de gestão de tempo, lembretes automáticos, agenda integrada, chatbot para agendar consulta médica. Deu até a IA para escrever nossos e-mails. Tudo apontando para um futuro onde a rotina, se existir, seria uma escolha — e não uma prisão.
Mas a vida, essa entidade analógica, parece discordar. Ou pelo menos hesitar. Porque rotina não é só repetição: é referência, é estrutura, é a moldura do dia. É nela que a gente se pendura quando todo o resto muda. Só que dizer isso em voz alta hoje soa quase como um retrocesso. A galera do “viva o agora” não curte muito essa conversa de constância.
Talvez o problema não esteja na rotina em si, mas na forma como a gente sempre a encarou. Se antes ela era um trilho rígido que nos levava da cama ao escritório e do escritório ao sofá, hoje ela pode ser mais elástica. Uma estrutura flexível, moldada pelas ferramentas tecnológicas que continuam nos dando superpoderes, mas que talvez precisem de um pouco de humanidade para funcionarem direito.
A verdade é que a discussão não é mais sobre home office versus escritório, ou liberdade versus estabilidade. É uma discussão sobre equilíbrio. A tecnologia destrancou as portas. Cabe a nós decidir quando abri-las e quando fechá-las.