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O fim do botão ‘desligar’

Coluna | TecnologiaO fim do botão ‘desligar’
Em um mundo onde tudo está sempre ligado, descansar virou resistência

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Durante muito tempo, tudo tinha um fim claro. O MSN caía. A conexão sumia. O celular — aquele Nokia tijolão — desligava quando a bateria acabava. Encerrar era algo simples, quase automático. E natural. Hoje, não se encerra mais nada.

A tecnologia transformou a rotina em um fluxo contínuo, sem ponto final. Nada mais se desliga. Nem o celular, nem a mente. As notificações continuam chegando mesmo no modo silencioso, e até o “offline” virou apenas um disfarce. O botão de desligar, aquele gesto simples, sumiu do cotidiano.

Aos poucos, foi se tornando estranho ficar inatingível. Sair do ar virou sinal de descuido ou crise. Dormir de verdade — sem o aparelho na cabeceira — se tornou quase folclore. Há uma geração inteira que nunca mais conheceu o silêncio pleno, aquele que vem sem LED piscando no escuro.

Mesmo os aparelhos “desligados” estão apenas esperando. A TV não desliga, a assistente virtual escuta em segredo, o carro avisa sozinho quando precisa de revisão. A geladeira posta stories — ou quase isso. Tudo vigia, tudo acompanha. E esse estado permanente de atenção contamina também os corpos. Gente acordando no susto por causa de um apito qualquer, ou sonhando com coisas que ainda nem aconteceram, mas que já apareceram na timeline.

Não há mais intervalo. Só transições suaves de tela em tela, de aba em aba, de app em app. Pausar virou um luxo. E desligar, um ato de coragem.

As pausas de antes — aquelas de verdade — tinham um efeito regenerador. Era no intervalo, no tédio, na espera sem estímulo, que nasciam ideias, vontades, soluções. Quando tudo cessa, algo novo aparece. Mas agora, até o silêncio é preenchido com áudio de um minuto e meio. Até o tédio virou multitarefa.

Talvez o ponto não seja a nostalgia de um mundo mais simples, mas a constatação de que até o descanso foi engolido pela conectividade. As férias, os fins de semana, a hora do almoço — tudo ainda pulsa embaixo da superfície luminosa dos dispositivos. Nenhum espaço está livre da possibilidade de ser interrompido.

Curioso pensar que, no fundo, muita gente nem quer desligar. Há conforto nesse ruído constante. É menos solitário viver assim, com tudo sempre à disposição, pronto para responder, vibrar, alertar. Mas essa conveniência cobra o seu preço: um cansaço sem nome, um sono que não repousa, um cérebro que nunca entra em modo avião.

Talvez o desafio da era digital não seja se conectar — isso é fácil. O verdadeiro desafio seja reaprender a sair. Fechar a aba. Encerrar a sessão. E quando for a hora, sim, ter a ousadia de apertar “desligar” e deixar que o mundo continue sem resposta por um tempo.

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