O FETICHE DA INOVAÇÃO
Há alguns anos, em uma conversa com Fábio Gandour, ex-cientista-chefe da IBM Brasil, ouvi uma frase que nunca esqueci: "Os evangelistas da inovação acham que inovação resolve tudo, de dívida externa a unha encravada. E não é bem assim." Desde então, essa observação me acompanha toda vez que vejo o mercado de tecnologia lançar, com pompa, mais um produto "revolucionário" que, na prática, não resolve nada.
Vivemos uma era em que a inovação, antes motor legítimo de progresso, foi transformada em fetiche. A cada ano, empresas despejam no mercado produtos que mais parecem respostas a problemas inexistentes. O exemplo recente dos óculos inteligentes Ray-Ban Stories, lançados pela Meta em parceria com a grife, é emblemático. Prometidos como uma revolução para capturar momentos espontâneos, os óculos equipados com câmeras e microfones acabaram relegados ao esquecimento: dados internos revelados pelo Ars Technica mostraram que menos de 10% dos compradores continuaram a usá-los regularmente. A promessa de integração perfeita entre tecnologia e cotidiano esbarrou não só na falta de necessidade real, mas também em preocupações éticas sérias, como mostrou o New York Post, ao denunciar aplicativos que, usando os óculos, conseguiam identificar estranhos na rua e acessar informações pessoais sem consentimento.
Esse culto à inovação pela inovação não é exclusividade da Meta. O Amazon Astro, robô doméstico anunciado como um assistente para segurança e tarefas cotidianas, é outro exemplo. Alto custo, funções limitadas e dificuldades básicas de navegação fizeram do robô mais uma peça de marketing do que um produto que realmente agregasse valor à vida das pessoas. Mais recentemente, o Apple Vision Pro, apresentado como o futuro da realidade aumentada, foi recebido com desconfiança mesmo pelos entusiastas da marca. Com preço elevado e aplicações ainda nebulosas para o dia a dia, o produto reforçou a impressão de que muito da chamada "inovação" atual serve mais para inflar balanços e agendas de lançamento do que para atender demandas concretas.
O problema central é que boa parte da indústria de tecnologia parece ter perdido o contato com o que de fato importa. A inovação genuína nasce da identificação de necessidades reais e da busca por soluções que simplifiquem, democratizem ou melhorem experiências humanas. Quando o processo se inverte — e se cria primeiro o produto, para depois inventar a necessidade — o resultado é um mercado saturado de dispositivos esquecidos em gavetas, de aplicativos que prometem produtividade mas geram ansiedade, e de tecnologias que mais complicam do que facilitam a vida.
Não é à toa que Gandour diz que inovação não resolve tudo. E hoje, diante de tantas tentativas frustradas de vender "o futuro" antes que o presente peça por ele, suas palavras fazem ainda mais sentido. Inovar, sim — mas com propósito, com responsabilidade e, principalmente, com a humildade de entender que nem todo problema exige uma solução tecnológica.