O ESPELHO DEFORMADO
A minissérie britânica “Adolescência”, disponível na Netflix, provoca uma reflexão urgente sobre a influência da internet na formação dos jovens. A trama segue Jamie Miller, um garoto de 13 anos acusado de um crime brutal — o assassinato de uma menina da mesma idade —, mas essa tragédia começa muito antes do ato cometido. Jamie é produto do ambiente digital que o cerca, um espaço dominado por algoritmos que moldam, filtram e distorcem sua visão de mundo.
O professor e filósofo Paulo Ghiraldelli, em seu canal no YouTube, alerta para esse efeito perverso dos algoritmos. Segundo ele, o sistema que move as redes sociais não apenas entende preferências, mas cria uma caricatura do usuário, reforçando padrões e aprofundando tendências sem qualquer critério ético.
No caso dos adolescentes, que ainda estão em processo de construção da identidade, esse mecanismo pode ser devastador. Se um jovem busca conteúdos sobre insegurança social, o algoritmo não oferece perspectivas diversas para que ele reflita, mas sim mais e mais conteúdos que reforçam a ideia de exclusão. Se um menino se sente rejeitado pelo sexo oposto, ele será empurrado para vídeos, fóruns e discursos que transformam essa frustração em ressentimento e, em casos extremos, ódio às mulheres. A internet, que poderia ser um espaço de aprendizado e ampliação de horizontes, torna-se um espelho deformado, refletindo e potencializando apenas emoções e ideias que confirmam o que o usuário já sente.
A série evidencia essa lógica ao mostrar como discursos extremistas, acessíveis a qualquer jovem, são amplificados sem controle. Jamie, assim como tantos outros adolescentes, é tragado por essa dinâmica em que tudo o que vê reforça sua percepção de mundo, por mais distorcida que ela seja. O algoritmo não questiona, não pondera, não oferece contrapontos. Ele apenas entrega mais do mesmo, potencializando emoções e cristalizando visões que, em um ambiente saudável, poderiam ser transitórias.
O problema, portanto, não é a internet em si, mas a maneira como ela foi estruturada dentro de um modelo de negócio que lucra com a retenção máxima da atenção. As redes sociais não existem para formar cidadãos críticos, mas para manter usuários presos em seus próprios reflexos digitais. O oligopólio da internet reduziu o vasto potencial da web a meia dúzia de plataformas cujo único objetivo é garantir que o usuário não desvie o olhar da tela. E o melhor jeito de fazer isso é alimentando sentimentos intensos, seja a paixão cega, o medo, a raiva ou a frustração.
Diante desse cenário, a solução não passa por demonizar a tecnologia, mas por questionar a forma como ela tem sido controlada. Enquanto a lógica de mercado seguir ditando o que os usuários veem, os algoritmos continuarão a funcionar como máquinas de distorção da realidade, aprisionando jovens em versões infladas e polarizadas de si mesmos.
“Adolescência” escancara esse problema com brutalidade, mostrando que a maior ameaça digital não é a desinformação ou os discursos de ódio isolados, mas a engrenagem invisível que escolhe quais vozes serão amplificadas e quais serão silenciadas.