Doenças Psicossomáticas
O corpo humano não é apenas um organismo biológico em funcionamento, somos também um repositório de experiências, emoções e memórias. Um arquivo sensível das nossas vivências. Nossas dores emocionais são expressas fisicamente e alguns sentimentos a consciência não consegue metabolizar. Essa interseção entre corpo e mente - que chamamos “psicossomática”- se revela como as marcas invisíveis do sofrimento podem se converter em sintomas concretos e doenças até mesmo incapacitantes.
A ideia de que emoções reprimidas ou traumas psíquicos são expressos através do corpo não é apenas uma metáfora, é um fenômeno cada vez mais documentado pela neurociência.
O estresse prolongado e emoções intensas, acionam o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, liberando cortisol e adrenalina em excesso. Esses hormônios, originalmente protetores, tornam-se tóxicos em estado crônico, alterando a regulação de nossos sistemas cardiovascular e o gastrointestinal, além da imunidade. Em outras palavras, o que deveria ser uma resposta adaptativa ao meio, converte-se em sobrecarga fisiológica. É assim que dores de cabeça, hipertensão, gastrite e dermatites emergem — não como doenças isoladas, mas como narrativas biológicas de um sofrimento não simbolizado.
A raiva reprimida, medo ou tristeza crônica modulam a produção de citocinas inflamatórias. Isso explica por que algumas doenças autoimunes, ou síndromes dolorosas inexplicáveis, se associam a contextos de sofrimento psíquico persistente.
Algumas experiências dolorosas intensas não se integram plenamente ao processo narrativo da consciência. Em vez de lembranças lineares, produzimos ecos corporais: hipervigilância, tensões musculares, fadiga persistente.
O corpo, incapaz de esquecer, torna-se guardião de uma história que a mente tenta evitar. Nesse sentido, cada dor crônica pode ser entendida como uma forma de memória, uma inscrição corporal daquilo que não encontrou palavras.
Mais do que patologia, a manifestação psicossomática é também um apelo à escuta. O sintoma é a linguagem última de uma subjetividade que não encontrou outro canal de expressão.
É por isso que a clínica contemporânea precisa reconhecer que cuidar de um corpo adoecido implica também escutar a sua história — não apenas a história médica, mas a narrativa de perdas, conflitos, silêncios e traumas que nele se inscreveram. O corpo não esquece. Ele lembra, insiste e repete. E talvez seja nesse gesto de repetição silenciosa o apelo por uma compreensão mais profunda, ou um espaço de reconhecimento onde dor, memória e experiência possam, finalmente, ser traduzidas em palavras, vínculos e cuidado.