Uma viagem pelo fantástico
A história da escrita e da publicação de “O mestre e Margarida”, do escritor nascido onde é hoje a Ucrânia, Mikhail Bulgákov (1891-1940), dá um romance. Primeiramente, a narrativa ficou inédita até 1966/67, quando foi publicada na revista soviética Moskva, tornando-se a obra máxima do autor. Veja que ele havia falecido 26 anos antes.
Até então, apenas o círculo mais próximo de Bulgákov sabia da existência do texto, cujas últimas revisões ele teria ditado para a esposa, poucas semanas antes de sua morte. Ao que consta, a escrita de “O mestre e Margarida” teria tido início em 1928, mas ele mesmo destruiu sua primeira versão em 1930, ao ter um de seus livros banidos. A segunda versão do romance seria escrita entre 1931 e 1936. Mas a coisa não fica por aí. Houve uma terceira versão, de 1937. E, finalmente, a quartão versão, finalizada com a ajuda da esposa.
Impossível de ser publicada no período Stalinista, a história, cujas muitas tramas são centradas na visita do diabo a Moscou, no início dos anos 1930, teve 12% de seu conteúdo censurado, na ocasião da publicação na revista Moskva, e surgiu em conteúdo integral apenas em 1973, quando foi publicada pela Posev em Frankfurt.
Com edição de 2021, no Brasil, “O mestre e Margarida” surpreende pela originalidade vertiginosa (foi a sensação que tive ao lê-lo) que se caracteriza pelo fantástico. Com epígrafe do Fausto, de Goethe, “...quem és, afinal? / - Sou parte da força que eternamente/deseja o mal e eternamente faz o bem”, o romance começa com a chegada de Woland, com seu séquito, a Moscou. Dentre eles, Koroniev, o enorme gato negro Beremot e a bruxa Hella. Juntos, eles desestabilizarão a ordem do lugar. Wolland não é propriamente um opositor a Deus, mas, sim, alguém que pune a mesquinhez e a covardia.
Considerado por muitos críticos como genial, o romance ultrapassa os limites do cômico e do fantástico para se configurar como sátira devastadora sobre a vida sob o regime soviético daquele momento, trazendo, ao leitor, muito da dinâmica de vida da Rússia de então, seus burocratas, o cotidiano em Moscou com seus desaparecimentos misteriosos.
“O mestre e Margarida” é uma espécie de comédia de humor negro, considerada revolucionária ao transitar de maneira livre e peculiar por tramas e temas. Como toda grande obra literária, o livro permite inúmeras perspectivas de leitura. Como a de uma sátira política, uma alegoria místico-religiosa a veicular reflexões sobre a moral, o bem e o mal, a covardia e a mesquinhez, a verdade, a ilusão, a inocência e a culpa.
Trata-se de uma leitura enriquecedora, seja pelo experimentalismo estético, seja pela liberdade do autor em transitar por temas e ideias, seja pelo conteúdo surpreendente. A mais famosa citação da obra, “manuscritos não ardem”, tornou-se proverbial na Rússia!
Ótimo que Bulgákov jamais tenha abandonado seu projeto!
MIKHAIL BULGÁKOV
Editora: Alfaguara (2021)
Páginas: 456
Preço: R$ 61,92 (Em sebos virtuais a partir de R$ 49)