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OS VÁRIOS ROSTOS DE UMA ESCRITORA

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Sabendo que a morte se aproximava, Nélida Pinõn (1937-2022) deixou o livro pronto. Ela se foi em dezembro de 22, “Os rostos que tenho” surgiu em novembro de 23. Postumamente, ela concorreu ao Jabuti. Foi uma das finalistas na categoria crônica em 2024.

Um fato que chamou minha atenção no livro? Muito mais do que a “literatura ao rés do chão”, como deixou registrado o grande Antonio Candido sobre a crônica, os textos de Nélida não se conformam aos traços comumente atribuídos ao gênero: texto breve, simples, linguagem que se esbarra na oralidade, etc.

Os textos que compõem “Os rostos que tenho”, pelo contrário, parecem brotar das entranhas da autora, que percebe o mundo por meio de um olhar duro e denso. Sem jamais abandonar o lirismo, Nélida se vale da linguagem elaborada (por vezes até demais...) na tradução de memórias, percepções, reflexões, anedotas e vivências.

As 147 crônicas que compõem o volume trazem histórias sobre sua amizade com inúmeras personalidades do mundo literário; Susan Sontag, Gabriel García Marquez, Rubem Fonseca, Clarice Lispector.

Alguns temas estão muito presentes no livro. A origem galega; O Brasil, “Sou da América” é o título de uma das crônicas; Portugal e Espanha são referências fortes. O Rio, a Lagoa e o Teatro Municipal são sempre comentados. Há, ainda, algumas admirações confessas; Camões e o Padre Anchieta, dentre elas. Reflexões sobre o tempo e a existência: “a vida é fragmentária. Não obedece a uma sequência prévia disposta sobre a mesa, à guisa de um mapa”.

O que me parece mais marcante em “Os rostos que tenho”, porém, é a reflexão constante sobre questões relativas à arte; ao fazer estético e ao ofício de escritora: “nem sempre é fácil ceder à preponderância do mistério que impulsiona a arte. Ela que me impõe veredas por onde caminhar, quase cabendo-me apenas assinar o nome”.

São as várias facetas (ou máscaras) da escritora. Em crônica que dá título ao livro, lemos: “as máscaras cumprem o papel de esconder o semblante cru dos meus sentimentos”. “Os rostos que tenho” soa a um testamento ético e estético da autora. Ele traz as experiências de toda uma vida.

Nesse sentido, o último livro de Nélida Pinõn se esbarra nas memórias, na biografia, na crônica de sua existência. Uma maneira de fechar um ciclo e refletir sobre si mesma, o mundo a seu redor, sua trajetória pessoal e profissional. Tudo por meio de textos cheios de delicadeza e aguda sabedoria. Gostei muito de ler!

OS ROSTOS QUE TENHO

Nélida Pinõn

  • Editora: Record (2023)

  • Páginas: 266

  • Preço: 64,90 (Em sebos virtuais a partir de 47,90)

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