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Na fronteira do incomunicável

Coluna | LiteraturaNa fronteira do incomunicável

Sobre o autor

A NOITE ESCURA E MAIS EU

Lygia Fagundes Telles

Editora: Companhia das Letras

Páginas: 128 (2009)

Preço: R$ 43,90 (Em sebos virtuais a partir de R$ 24,90)

Em abril de 2022, o Brasil perdeu um grande nome de sua literatura contemporânea. Lygia Fagundes Telles (1918-2022) faleceu aos 103 anos. É dela um de meus livros de contos favoritos. “A noite escura e mais eu”, coletânea vencedora do Jabuti, que, em 2025, completa 30 anos de publicação.

Obra da maturidade de Lygia, a coletânea tem título poético. E isso tem uma razão. Ele foi tirado de um poema de Cecília Meireles. “Assovio”, cuja 1.ª estrofe reproduzo: “Ninguém abra a sua porta / para ver que aconteceu: / saímos de braço dado /a noite escura mais eu.” Composição bela e melodiosa, o poema trata da solidão dramática do sujeito lírico, traço que marcará os contos que compõem a obra.

Publicado originalmente em 1995, “A noite escura e mais eu” é composto por nove histórias breves, quem têm em comum a alta intensidade dramática. São eles, “Dolly”, “Você não acha que esfriou?”, “O crachá nos dentes”, “Boa noite, Maria”, “O segredo”, “Papoulas em feltro negro”, “A rosa verde”, “Uma branca sombra pálida” e “Anão de jardim”.

“Dolly” é narrado sob a perspectiva de Adelaide, em choque, após ter encontrado o corpo da jovem Maria Auxiliadora (nome artístico, Dolly), assassinada com muita violência. “Anão de jardim” é um conto peculiar ao ser narrado sob a ótica da estátua de pedra, que conduz a narrativa: “A data na qual fui modelado está (ou não) gravada na sola da minha bota, mas esse detalhe não interessa”.

“Papoulas em feltro negro” é belíssimo. O ponto central é o reencontro de antigas colegas de escola. O evento teria a presença de uma velha professora, conhecida por sua rispidez e intransigência, mas já com a saúde bastante debilitada. O convite e a reunião propiciam à protagonista rememorar a tortuosa relação com D. Alzira, cujo encontro tardio lhe propiciará refletir sobre aspectos de sua personalidade.

“A rosa verde” trata das perdas emocionais de uma menina. A morte da mãe, de parto. A posterior morte do pai. A mudança para a casa dos avós. A mudança com os avós para o sítio dos tios. Profundamente solitária, ela tem passatempos insólitos, como colocar minhocas em um porte de vidro e enterrá-lo... Sabendo que irá estudar em breve em um colégio interno, ela se distrai pensando na rosa verde que seu avô diz que nascerá em setembro.

Os contos de “A noite escura e mais eu” têm em comum trazerem personagens em situações emocionais limites e que se esbarram no incomunicável (inclusive o anão de jardim!). Nesse sentido, essas narrativas dão margem à exploração dos meandros psicológicos das personagens por onde circulam traumas e fantasmas. Com grande sensibilidade e enorme perspicácia linguística, essas narrativas precisas de Lygia nos fazem transitar pelo indizível de suas personagens e de nós mesmos. Com enorme dramaticidade e muita delicadeza. Um belo livro.

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