Histórias Canadenses
A escritora canadense Alice Munro (1931-2024) é considerada uma referência no conto contemporâneo. Muito hábil no manejo do tempo e na exploração das relações humanas no trato da vida cotidiana, Munro, agraciada com o Nobel de 2013, tem sido comparada ao grande escritor russo Anton Tchekov.
É um pouco dessa arte do narrar que encontramos em “O amor de uma boa mulher”, publicado originalmente em 1998. Composta por oito contos longos, narrativas que se assemelham a novelas ou pequenos romances, a obra mostra personagens complexos, que circulam quase que à deriva em meio a eventos cotidianos fincados na aparente normalidade.
Traço comum às histórias é o fato de suas tramas serem centradas entre as décadas de 1940 e 1970, muito embora Munro faça avanços e retrocessos ao apontar eventuais detalhes e/ou desfechos de fatos abordados. Além disso, o cenário de suas narrativas são sempre vilarejos do condado de Huron, no Canadá.
É nesse ambiente que circulam personagens de algum modo deslocados da norma e das expectativas. Veja que a autora é cuidadosa ao fazê-los transitar pelo pós-guerra, pelas mudanças de costumes que ensaiavam aparecer nos anos 1950, pela revolução sexual dos anos 1960 e 70.
A maneira como seus narradores transitam pelo espaço/tempo dá, ao texto, certo traço cinematográfico. Cenas que se ampliam aqui e ali, focalizações que se tornam mais ou menos próximas, o que, aliás, propicia olhares ao mesmo tempo panorâmicos e intimistas sobre épocas, personagens e lugares.
O conto que dá título ao livro é um bom exemplo. Ficamos sabendo, de início, que no Museu de Walley há objetos curiosos como a caixa de instrumentos de optometria de D. M. Willens, que teria se afogado no Rio Peregrine, em 1951. Somos então conduzidos à descoberta de seu corpo por um grupo de garotos que circulavam pela zona rural, a título de aproveitar o verão.
Perambulamos com esses meninos pelas ruas do vilarejo em um belo dia ensolarado em que tudo ia bem. Mas eles (e nós) seguem desnorteados, portadores de um segredo macabro, e não sabem a quem recorrer ou para quem e como dar a notícia.
Anos depois, somos apresentados a Enid, uma cuidadora que abdicara dos planos de estudar enfermagem, a pedido do pai, que não a queria em contato íntimo com os homens. Enid cuida de uma mulher ainda jovem que, em poucos meses, sucumbirá à doença. Antes que isso aconteça, porém, ela lhe conta uma versão criminosa sobre a morte do optometrista. Algo que envolve a ela e ao marido. O que coloca Enid em uma condição singular em face dos fatos.
Alice Munro tem escrita singular. Seja no tratamento dos temas ou no manejo técnico de cenas e situações. “O amor de uma boa mulher” é interessante e inusitado. Imagético e cinematográfico. Intimista e delicado. Vale a pena! Uma curiosidade. Se você assistiu a “Julieta” de Pedro Almodóvar, ele foi realizado a partir de três contos da canadense.
Alice Munro
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 350 (2013)
Preço: R$ 58 (Em sebos virtuais a partir de R$ 15)