Caderno proibido
Roma, manhã de domingo, novembro de 1950, Valeria Cossati sai para comprar cigarros para o marido. Ele ainda dormia e ela queria surpreendê-lo com um maço na mesa de cabeceira. Na tabacaria, ela vê uma pilha de cadernos de capa negra. Belos, luzidios e espessos, eram iguais aos que ela usara na escola, escrevendo seu nome na primeira página.
Além dos cigarros, Valeria pede um caderno ao vendedor que imediatamente lhe diz: “Não pode, é proibido.” O estabelecimento só podia vender cigarros naquele dia da semana e havia um fiscal na porta para assegurar que a regra fosse seguida. Ela insiste, “Mas eu preciso”, “preciso mesmo”. Ele cede, com a condição de que ela o esconda embaixo do casaco.
Valeria leva o caderno para casa, oculto sob a roupa, assombrada pela proibição. Lá, ela o esconde. Se alguém o vir, o quererá para si, o transformará em algo banal. E o caderno é precioso. Proibido. Ela o transforma, então, em algo muito íntimo e pessoal. Um diário, o livro que lemos, por meio do qual conhecemos um pouco dessa personagem de 43 anos, mãe de dois jovens adultos, esposa de um bancário de nome Michele.
É assim que ganha corpo “Caderno proibido”, romance belíssimo da escritora ítalo-cubana Alba de Céspedes (1911-1997). Publicado originalmente em 1952, na Itália, ele ganhou edição no Brasil apenas em 2022. Aliás, a edição da obra de Céspedes no país é recente. Encantada com “Caderno proibido”, procurei outros livros da autora em português e encontrei apenas “Na voz dela”, de 2025.
O conteúdo da brochura negra a que Valeria se dedica nos leva a acompanhar, por seis meses, seu cotidiano de trabalho excessivo, os afazeres da casa e o trabalho em um escritório, os desgastes com os filhos, as exigências do marido, seus desejos, suas insatisfações, suas tristezas, seu cansaço, o tédio.
Porém, por trás do que é narrado, está uma família de classe média no pós-guerra, ainda assombrada pelo recém-vivido, uma época de profundas mudanças. Tradições recentes não encontram mais lugar e algo novo desabrocha misterioso. A mãe de Valeria ainda usava enchimentos nos coques feitos à moda do início do século e sua filha namora um homem divorciado, trabalha e quer sair de casa, deixando ver costumes que eclodiriam na revolução sexual dos anos 1960.
Valeria busca se acomodar em busca de um lugar para si. Em um mundo em transformação, que Céspedes capta com maestria e muita sensibilidade.
Em meio a isso, adentramos a densidade psicológica da protagonista, cujo ato de escrita a leva a pensamentos e desejos proibidos, ao colocá-la em contato consigo mesma: “Fiz mal em comprar este caderno, muito mal”.
Alba de Céspedes, filha de uma italiana com um embaixador cubano, que foi presidente de Cuba em 1933, tem biografia interessante, sensibilidade aguçada e é muito hábil no manejo com a linguagem. “Caderno proibido” é um romance encantador!