O AVESSO DA CIDADE
A vida urbana, assim como a humana, possui ritmo, cadência e é cíclico, mas a civilização criou uma bolha pavimentada que não compõe com o Terra, a decompõe sistematicamente, essa oscilação pendular entre a integração e destruição se reflete na construção dos espaços nas cidades e nas formas de convivência: a sazonalidade conduz à artificialidade (o extremo da distância) e à naturalidade (o extremo da aproximação). O tecido urbano se constitui de uma teia hiperconectada que dança num movimento constante de sobrevivência e busca de equilíbrio com a natureza.
Fomentados pelo salto tecnológico, no extremo da artificialidade, todo o conhecimento e tecnologias deveriam estar a serviço do bem-estar das pessoas, com soluções para reduzir as desigualdades, a pobreza, otimizar recursos e diminuir o desequilíbrio ambiental. A maioria das cidades são caóticas, fragmentadas, muradas e estão na contramão da busca pelo equilíbrio. Fenômenos como a pandemia, guerras, crises econômicas, sociais e culturais assim como a segregação socioespacial agudizam esses processos.
Em Quarto de Despejo, Carolina Maria de Jesus escreve: “...Eu classifico São Paulo assim: o Palácio, é a sala de visita. A Prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o quintal onde jogam os lixos.” O quarto de despejo ou o avesso da cidade são metáforas que indicam a figura simbólica da casa, da cidade, e de como são tratados os proprietários, os usuários, os empregados e os despossuídos. A sustentação da existência de espaços organizados, elegantes, agradáveis e frequentados por poucas pessoas, em qualquer escala, se dá pela existência da periferia, subúrbios e pelos que vivem à margem.
A realidade existente é legado dos que existiram antes de nós, faz-se necessário uma mudança pela busca de que todos tenham o direito e não o avesso das cidades. Reinventar as formas de conviver em comunidade, romper com padrões ultrapassados e arraigados na nossa história. Essa ruptura pode ser a oportunidade de ressignificar nosso olhar pela cidade, pessoas e natureza.