Síndrome de Munchausen
Imagine alguém que vai repetidamente ao hospital com sintomas graves, mas sem nunca receber um diagnóstico conclusivo. Que muda de médico com frequência, se submete a exames invasivos e até provoca lesões em si mesmo para parecer doente. Essa é a realidade de quem vive com a Síndrome de Munchausen, uma condição rara, porém grave, que intriga médicos e psicólogos.
A Síndrome de Munchausen, também conhecida como transtorno factício, é um transtorno psicológico no qual a pessoa simula sintomas ou força o aparecimento de doenças. Quem sofre dessa condição costuma inventar repetidamente quadros clínicos e frequentemente circula entre hospitais em busca de atendimento, atenção e cuidados médicos — mesmo que isso envolva mentiras, manipulação ou autolesão.
“Os sintomas mais comuns são relatos frequentes de doenças sem diagnóstico preciso, visitas médicas constantes, histórias médicas dramáticas, e até automutilações para simular enfermidades”, explica a psicóloga Bárbara Santos.
De forma geral, a Síndrome de Munchausen pode aparecer de duas formas. A primeira é imposta a si, quando o indivíduo simula ou provoca sintomas em si. A segunda, mais perigosa, é a chamada Síndrome de Munchausen por procuração, na qual a pessoa, geralmente um cuidador, finge ou provoca doenças em outra, muitas vezes uma criança.
“Na versão imposta a si, a pessoa busca se colocar constantemente no papel de paciente, muitas vezes se automedicando ou provocando sintomas. Já a por procuração envolve um terceiro, normalmente alguém em posição de vulnerabilidade, como um filho, e pode configurar um tipo grave de abuso”, explica a psicóloga Aline Farfeli.
Sintomas e sinais de alerta
Esse transtorno não é fácil de identificar, nem para familiares, nem para profissionais de saúde. As queixas são muitas vezes vagas, exageradas ou incoerentes com exames clínicos. “Os sintomas mais comuns são relatos frequentes de doenças sem diagnóstico preciso, visitas médicas constantes, histórias médicas dramáticas, e até automutilações para simular enfermidades”, destaca Eduarda Souza Elias, psicóloga.
Para a psicóloga Aline Farfeli, é importante entender que quem sofre com a síndrome também enfrenta um grande sofrimento psíquico. “A pessoa que vive com a Síndrome de Munchausen geralmente carrega um histórico de abandono, traumas ou relações familiares disfuncionais. Ela sente uma necessidade quase incontrolável de receber atenção, mesmo que isso signifique colocar a própria saúde em risco”, afirma.
Quem está em risco?
De acordo com Aline, pessoas com histórico de traumas, negligência emocional na infância ou que cresceram em ambientes em que precisavam adoecer para receber afeto são mais suscetíveis a desenvolver esse tipo de transtorno.
Reconhecer que alguém próximo pode estar enfrentando a Síndrome de Munchausen, ou causando sofrimento a outro por meio dela, não é fácil. Requer sensibilidade, mas também atitude. “Procure acolher sem julgar, mas não hesite em buscar ajuda profissional. Envolver um psicólogo ou psiquiatra é essencial, principalmente se houver risco à saúde física de alguém. E lembre-se: proteger uma vítima de Munchausen por procuração é urgente”, orienta Aline.
Se o paciente não for flagrado provocando os próprios sintomas, é comum que médicos sigam o protocolo tradicional: solicitam exames, indicam terapias ou até recomendam procedimentos invasivos para investigar possíveis doenças físicas. Nesse contexto, o processo de diagnóstico da Síndrome de Munchausen acaba sendo um verdadeiro desafio clínico, já que o comportamento do paciente pode mascarar a origem psicológica do problema.
Uma vez identificado o transtorno, o tratamento deve ser conduzido por um psiquiatra e um psicólogo, muitas vezes com o apoio de uma equipe multidisciplinar, incluindo clínicos, enfermeiros e assistentes sociais.
“No tratamento, o especialista busca compreender as causas profundas do transtorno e ajudar o paciente a reconhecer os danos que está causando a si”, explica a psicóloga Bárbara. Ela acrescenta: “Em casos mais graves, pode ser necessária a hospitalização imediata para garantir a segurança do paciente”.
Na variação conhecida como Síndrome de Münchausen por procuração, o sofrimento não é autoinfligido. Aqui, quem provoca os sintomas, reais ou simulados, em outra pessoa, geralmente é um cuidador, como a própria mãe.
Um dos casos mais emblemáticos foi o de Gypsy Rose Blanchard, retratado na série The Act (Disney) e no documentário “Mamãe Morta e Querida” (HBO Max). Durante anos, Gypsy foi levada a acreditar que era gravemente doente: sua mãe a convencia de que ela não podia andar, obrigando-a a usar uma cadeira de rodas, entre outras manipulações.
Esse tipo de comportamento é considerado uma forma grave de abuso infantil. Além de causar traumas psicológicos profundos, pode levar a procedimentos médicos desnecessários e perigosos. Quando a síndrome é por procuração, as consequências são ainda mais graves e muitas vezes, silenciosas.
“Nesse caso, a vítima, muitas vezes uma criança, pode ser submetida a exames, internações, cirurgias e até tratamentos desnecessários. Isso não só compromete a saúde física dela, mas também sua saúde mental a longo prazo”, alerta Eduarda Souza Elias, psicóloga.