Doença celíaca: muito além de cortar o glúten
A doença celíaca é uma condição autoimune grave que afeta pessoas geneticamente predispostas. Nesses indivíduos, o consumo de glúten - proteína presente no trigo, centeio e cevada - desencadeia uma resposta inflamatória no intestino delgado, prejudicando a absorção de nutrientes e impactando diversos sistemas do corpo.
Os sintomas são variáveis e podem incluir diarreia crônica, dor abdominal, inchaço, perda de peso, anemia, cansaço e, em alguns casos, manifestações não intestinais, como irritabilidade, distúrbios do crescimento em crianças, osteoporose, infertilidade e problemas de pele. “A única forma eficaz de controlar a doença é seguir uma dieta totalmente livre de glúten durante toda a vida”, explica a nutróloga Ana Valéria Ramirez.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a doença celíaca atinge 1% da população mundial, o que significa que a dieta de mais de 80 milhões de pessoas deve ser completa e permanentemente isenta de glúten, mesmo para aqueles que não apresentem os sintomas gastrointestinais típicos.
A nutricionista Thaís Pillotto, da Clínica Dourado, destaca que o erro mais comum é pensar que consumir glúten sem apresentar sintomas significa não haver prejuízo à saúde. “Isso não é verdade, pois nem todas as pessoas celíacas apresentam uma resposta imediata ou perceptível ao consumo de glúten.”
O diagnóstico e as mudanças necessárias no que diz respeito à alimentação e a certos hábitos podem ser desafiadores e estressantes, especialmente para quem gosta de comer fora de casa. Aprender sobre os produtos que não devem ser consumidos e os cuidados para evitar a contaminação cruzada durante o preparo, armazenamento ou manipulação são fundamentais para encontrar alternativas seguras e facilitar a adaptação, que inicialmente pode parecer bastante limitada. “Ao pedir batata frita em um restaurante, por exemplo, é preciso verificar se ela é frita no mesmo óleo utilizado para alimentos com glúten. Se for o caso, ela se torna imprópria para o consumo por pessoas com doença celíaca”, alerta Thaís.
Segundo o cardiologista Elzo Mattar, do Hospital de Base, quando não é tratada, a doença celíaca provoca uma inflamação crônica no organismo, que pode desencadear outras doenças autoimunes, como a tireoidite, além de afetar o sistema cardiovascular. Esse processo aumenta o risco de aterosclerose - acúmulo de placas de gordura nas artérias -, o que pode levar a infarto ou AVC. “Além disso, há um risco aumentado de uma série de cânceres, principalmente gastrointestinais. A má absorção de nutrientes também pode causar anemia, devido à deficiência de ferro e folato, e osteoporose, por deficiência de cálcio. Pode haver ainda comprometimento neurológico, como neuropatia periférica e alterações na coordenação, além de distúrbios psiquiátricos, com alterações de humor”.
Adaptar-se a uma dieta sem glúten vai muito além de simplesmente eliminar certos alimentos. Informação, organização e planejamento são fundamentais para garantir segurança e bem-estar no dia a dia.
A nutróloga Ana Valéria Ramirez ressalta a importância de conhecer os ingredientes presentes nos rótulos: “É fundamental aprender a identificar todos os nomes utilizados para o glúten nos rótulos dos produtos, como maltodextrina, malte e farinha enriquecida, além de entender bem quais alimentos são naturalmente livres da proteína, como arroz, milho, batata, frutas e carnes in natura.”
A nutricionista Thaís Pillotto reforça a importância de acompanhamento de um nutricionista especializado, que poderá adaptar o cardápio conforme a rotina e preferências de cada pessoa. Segundo ela, embora a mudança exija atenção, é possível viver bem. Com o tempo, dá para aprender a fazer escolhas seguras, manter uma alimentação saudável e ainda assim prazerosa.
Thaís também recomenda explorar novas possibilidades: “Buscar informações sobre marcas e restaurantes com opções sem glúten pode facilitar muito. Em casa, vale adaptar receitas favoritas com ingredientes como amido de milho, fubá ou polvilho. É um mundo novo a ser explorado, e hoje temos muitas empresas focadas em oferecer produtos variados e adequados para quem convive com a doença celíaca”, ressalta a nutricionista.
Fique atento à contaminação cruzada durante o preparo, armazenamento e manipulação dos alimentos;
Nunca use, por exemplo, a mesma faca, torradeira, panela ou óleo de fritura para alimentos com glúten;
Não cozinhe em ambientes onde alimentos com glúten são manipulados sem o devido cuidado;
Não confie apenas em rótulos como “não contém glúten”, verifique sempre as informações detalhadas;
Redobre a atenção com alguns alimentos naturais, como aveia, que podem ser contaminados durante o processamento;
Fique atento a produtos que podem não conter trigo, mas ainda assim ter traços de glúten;
Não consuma produtos “sem glúten” que, na prática, ainda apresentam risco de contaminação;
Alguns alimentos importados podem seguir legislações mais permissivas, permitindo uma quantidade de glúten que pode ser prejudicial para celíacos mais sensíveis;
Nunca pense que “um pouquinho” de glúten não faz mal, pois até quantidades mínimas (alguns miligramas) podem desencadear a reação imunológica;
Não ignore medicamentos e suplementos que contenham glúten como excipiente e verifique com o farmacêutico ou médico;
Não consuma bebidas alcoólicas sem o devido cuidado, como cervejas comuns, vodcas de trigo e uísques envelhecidos, por poderem conter glúten residual;
Não arrisque comer em restaurantes sem garantias sobre a segurança alimentar. Estabelecimentos que não têm uma cozinha separada para alimentos sem glúten aumentam significativamente o risco de contaminação;
Não acredite que a dieta sem glúten é apenas uma “moda” ou algo “leve”. Para pessoas com doença celíaca, ela é um tratamento sério, para o resto da vida.
Fonte: Nutróloga Ana Valéria Ramirez