Raízes da memória: árvores e jardins que contam a história de Rio Preto

Em Rio Preto, a preservação da memória urbana vai além dos prédios históricos e monumentos. Árvores centenárias e jardins que fazem parte da paisagem e da afetividade dos moradores também são reconhecidos como patrimônio natural e cultural. Por meio do Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Cultural e Turístico (Comdephact), o município tem ampliado o olhar sobre o que constitui herança coletiva, valorizando elementos naturais que contam a história da cidade e de sua relação com o meio ambiente.
Entre exemplares já tombados e áreas em processo de reconhecimento, Rio Preto reúne casos emblemáticos que unem valor histórico, ambiental e simbólico, como a Figueira do Jardim São Marcos e o antigo Guapuruvu do bairro Imperial. Mais do que simples árvores, esses marcos vegetais são testemunhos vivos do tempo, da memória e da identidade local.
Especialistas, como a artista plástica, especialista em museus e presidente do Comdephact, Thaís de Freitas, a museóloga Ana Carolina Nogueira e o arquiteto e urbanista Kedson Barbeiro, presidente do Comdephact entre 2018 e 2021, reforçam que preservar esses patrimônios é também preservar a história afetiva e ambiental de toda uma comunidade.
Thaís de Freitas, explica que, em Rio Preto, há registros de tombamento de exemplares arbóreos considerados de relevante valor histórico, paisagístico e ambiental, conforme autorizado pela Lei Complementar nº 214, de 16 de dezembro de 2005, que dispõe sobre a proteção do patrimônio cultural municipal.
Entre os principais tombamentos realizados pelo Comdephact estão a Figueira do Jardim São Marcos, tombada pelo Decreto Municipal nº 17.610, de 28 de setembro de 2016, reconhecida por sua imponência, longevidade e integração paisagística ao bairro, e o Guapuruvu, da rua Coronel Spínola de Castro, no Imperial, tombado pelo Decreto Municipal nº 17.192, de 7 de novembro de 2014, exemplar nativo que se tornou marco de referência comunitária e elemento simbólico da paisagem urbana local.
O caso do Guapuruvu é emblemático. “Após a constatação técnica de morte do exemplar e do risco à segurança pública, sua supressão foi autorizada, mas acompanhada da implantação de um memorial no local, assegurando a preservação da memória e do valor cultural originalmente atribuídos ao bem”, afirma Thaís de Freitas.
A especialista afirma que existem critérios técnicos, culturais e ambientais definidos pela legislação de proteção ao patrimônio para que uma árvore ou jardim entre em processo de tombamento. Entre os principais estão o valor histórico e simbólico, quando o exemplar está ligado a fatos, personagens ou tradições marcantes da história local; o valor paisagístico e estético, que reconhece sua contribuição para a identidade visual e ambiental da cidade; o valor ambiental, relacionado à representatividade ecológica, raridade, porte ou importância para a biodiversidade urbana; o valor afetivo e social, atribuído quando a comunidade reconhece o bem como parte de sua memória coletiva; e, por fim, a integridade e autenticidade, que envolvem a análise técnica do estado de conservação e das características originais do exemplar ou conjunto vegetal.
Thaís de Freitas explica que, durante o processo de análise, são realizados laudos técnicos, vistorias e consultas públicas, buscando equilibrar os aspectos culturais, ambientais e de segurança. “Após o tombamento, todas as intervenções (como podas, tratamentos fitossanitários ou substituições) devem ser previamente autorizadas pelo órgão de proteção, garantindo a preservação do valor simbólico e a segurança pública.”
Outro espaço tombado é o Instituto Penal Agrícola (IPA), tombado pelo Decreto Municipal nº 14.345, de 31 de outubro de 2008. O espaço abriga não apenas a edificação histórica, mas também um jardim em estilo europeu. “Ainda aguardando obras de restauro e revitalização, o IPA representa um potencial centro de cultura e lazer. Sua ocupação é fundamental para valorizar o patrimônio, inibir o vandalismo e resgatar a importância histórica da edificação”, afirma Kedson Barbeiro.
O Lar de Idosos de Engenheiro Schmitt também foi tombado pelo Decreto Municipal nº 12.521, de 10 de setembro de 2004. Ele determinou o tombamento do antigo Colégio São José, em Engenheiro Schmitt, hoje sede da Associação e Oficina de Caridade Santa Rita de Cássia. “O edifício preserva a memória da presença dos Padres Agostinianos e mantém viva a história religiosa do distrito, marcada pela Capela do Padre Mariano de la Mata, beatificado pela Igreja Católica e ainda hoje referência espiritual para a comunidade. Além do valor arquitetônico e religioso, a área também conserva um jardim com árvores centenárias, integrando patrimônio material e paisagístico”, afirma Barbeiro.
A preservação do patrimônio histórico, cultural, natural e turístico, como parques, florestas e jardins, é fundamental para garantir o equilíbrio entre memória, identidade e qualidade de vida. “Do ponto de vista cultural, esses espaços funcionam como locais de convivência e de expressão da coletividade, fortalecendo laços sociais e permitindo que tradições e práticas se mantenham vivas. Além disso, possibilitam atividades educativas e culturais que aproximam a sociedade do meio ambiente”, afirma o arquiteto e urbanista Kedson Barbeiro.

A população pode colaborar para valorizar e proteger as áreas e árvores tombadas da cidade. Ana Carolina Nogueira, museóloga, afirma que a principal forma de valorização e proteção do patrimônio é a divulgação e o conhecimento. “Nós só cuidamos e atribuímos valor aquilo que conhecemos e aprendemos a amar. É um processo social passado de geração em geração, no qual o cidadão se reconhece através do bem cultural, se apropria deste como parte de sua identidade e deseja cuidar e promover a espécime ou área protegida.”
Ana Carolina explica que o tombamento sinaliza a importância histórico/social daquele exemplar botânico e impede sua remoção. “É importante salientar que o tombamento não impede o tratamento fitossanitário das espécimes protegidas, pelo contrário. Os órgãos responsáveis pela manutenção das reservas ambientais e áreas verdes do município seguem desempenhando suas atividades de manutenção e poda normalmente. Tendo o cuidado de notificar ao Comdephact qualquer intercorrência no exemplar tombado.”
Ana Carolina ressalta ainda que uma árvore, ainda que tombada, é um ser vivo, que possui um ciclo de vida específico e é suscetível à intempéries ambientais, doenças e infestações por parasitas, que pode levar a morte do exemplar, como ocorreu anteriormente com uma espécime tombada no município, o Guapuruvu.

Na dimensão histórica, muitos parques e áreas verdes estão ligados à formação das cidades. “Sua conservação mantém viva a memória da relação entre comunidades e natureza, revelando a importância que diferentes épocas e governos atribuíram à qualidade ambiental urbana. Sob o aspecto ambiental, a preservação é indispensável. Esses espaços contribuem para a manutenção da biodiversidade, regulam a temperatura, melhoram a qualidade do ar, ajudam no controle das águas pluviais e oferecem refúgio para diversas espécies. São, portanto, laboratórios vivos de educação e conscientização ecológica, que estimulam práticas sustentáveis.”
Um exemplo de referência nesse campo é Curitiba, reconhecida internacionalmente por seu planejamento urbano inovador. “A cidade implantou um sistema integrado de parques e bosques que, além de promover lazer e bem-estar, funcionam como barreiras naturais contra enchentes. A capital paranaense tornou-se modelo de como as cidades podem unir qualidade de vida e responsabilidade com o patrimônio natural. Preservar esses patrimônios é, portanto, mais do que cuidar de áreas verdes: é manter viva a história, proteger a cultura e assegurar um futuro ambientalmente equilibrado”, afirma o arquiteto e urbanista Kedson Barbeiro.
O arquiteto e urbanista revela também que algumas áreas em Rio Preto estão atualmente em análise para tombamento em Rio Preto. Elas estão sendo estudadas e fazem parte do Plano Municipal de Cultura que ainda não foi aprovado pela Câmara Municipal.