Quando o like vira dependência

O vício em redes sociais é um tema cada vez mais discutido entre profissionais da saúde mental, especialmente diante do impacto crescente das tecnologias digitais no cotidiano. Embora ainda não exista um diagnóstico oficial para esse tipo de vício no DSM-5 – o manual que orienta a classificação dos transtornos mentais –, a ciência já reconhece que o uso disfuncional das redes pode gerar consequências sérias à saúde emocional e comportamental.
“O comportamento compulsivo em relação às redes sociais compartilha mecanismos muito semelhantes aos de vícios já reconhecidos, como o jogo patológico ou até o uso de substâncias psicoativas”, explica o neuropsicólogo Luís Moraes. Segundo ele, “apesar de não envolver uma substância química, o uso excessivo das redes pode ativar os mesmos circuitos cerebrais associados ao prazer e à recompensa, como o sistema dopaminérgico.”
Assim como no caso do jogo patológico, já classificado como um transtorno comportamental no DSM, as redes sociais utilizam reforçadores intermitentes: recompensas imprevisíveis, como curtidas, comentários e novos seguidores. “Esse tipo de estímulo mantém o usuário engajado, buscando repetidamente a mesma sensação de gratificação”, afirma Luís. “A cada notificação ou curtida, o cérebro libera dopamina, mesmo que em menor intensidade do que uma droga química. Isso cria um ciclo de reforço positivo, que leva à repetição do comportamento e, eventualmente, à perda de controle”, explica.
Entre os efeitos mais comuns do uso excessivo das redes sociais estão o isolamento social real, o sedentarismo, distúrbios do sono e dificuldades de concentração. De acordo com a especialista em saúde integrativa Valquíria Lopes, para os adolescentes o risco é ainda maior. “A adolescência é uma fase naturalmente vulnerável, marcada por intensas mudanças biológicas e emocionais. Quando somamos isso à constante exposição a padrões irreais de beleza, sucesso e aceitação, o impacto pode ser devastador”, alerta.
A pressão por aprovação, materializada nas curtidas, comentários e compartilhamento, pode gerar uma sensação de inadequação constante, além de alimentar sintomas de ansiedade, depressão e distúrbios alimentares. A psiquiatra Bianca Bolonhezi, CEO do Instituto Macabi, reforça essa preocupação: “Vivemos um momento em que o celular e as redes sociais são quase parte de nós. Isso tem pontos positivos, mas também traz riscos importantes: a comparação constante e a exigência de desempenho em curtidas podem gerar um cansaço mental subestimado, até que evolua para quadros graves, como o bullying e o cyberbullying”, explica.
Defina limites: estabeleça períodos específicos do dia para se desconectar, como durante as refeições ou antes de dormir. Isso ajuda a criar uma rotina mais equilibrada.
Atividades off-line: substitua o tempo on-line por atividades como leitura de livros, caminhadas ao ar livre ou a prática de hobbies. Diversificar as experiências contribui para um estilo de vida mais saudável e ainda estimula a criatividade.
Notificações conscientes: reduza o impacto das notificações constantes no celular ajustando as configurações do dispositivo. Escolha momentos específicos para verificar mensagens e atualizações. No caso dos aparelhos com iOS, crie diversos modos de foco personalizados para sua rotina.
Espaços tech-free: crie ambientes em sua casa livres de tecnologia, como na sala de jantar, por exemplo. Isso promove uma conexão mais significativa com amigos e familiares e pode estreitar relações.
Autoconscientização: esteja ciente dos sinais de estresse digital, como irritabilidade ou dificuldade de concentração. Pratique o autocuidado e busque ajuda sempre que necessário. Tome tempo para analisar seu histórico de uso da tela e crie um plano para tornar mais saudável a relação com seu smartphone.
Fonte: Letícia Bufarah, gerente de marketing da startup Leapfone

Para os especialistas em comportamento, a prevenção é o melhor caminho. Observar mudanças no comportamento, como isolamento, alterações no sono, irritabilidade, queda no rendimento escolar ou profissional, pode ser o primeiro passo para intervir de forma precoce.
“É importante que não só os pais, mas também cônjuges, professores e amigos estejam atentos. Ao notar sinais de sofrimento, o incentivo para buscar ajuda profissional faz toda a diferença”, destaca a psiquiatra Bianca Bolonhezi.
Além do acompanhamento com psicólogos e psiquiatras, pequenas mudanças na rotina podem ajudar a restabelecer o equilíbrio. Práticas como higiene do sono, alimentação equilibrada, atividade física regular e momentos de desconexão digital são aliados poderosos para preservar a saúde mental.
A especialista em saúde integrativa Valquíria Lopes sugere o chamado detox digital, que consiste na redução consciente do tempo de exposição às telas. “Desconectar-se periodicamente permite que a mente descanse e recarregue. Isso contribui para uma mente mais saudável, mais presente e menos refém das comparações virtuais”, afirma.
Conexão com propósito
O desafio, portanto, não é abandonar as redes sociais, mas aprender a usá-las com consciência. Reavaliar a maneira como interagimos com o conteúdo e com os outros pode nos ajudar a transformar as redes em ferramentas de conexão real, em vez de gatilhos de sofrimento emocional.
“É possível cultivar uma relação mais saudável com o ambiente digital. O primeiro passo é tomar consciência do impacto que esse uso tem na nossa vida e, a partir daí, fazer escolhas mais alinhadas ao nosso bem-estar”, finaliza neuropsicólogo Luís Moraes.