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EM BUSCA DE JUSTIÇA

EntrevistaEM BUSCA DE JUSTIÇA
Ainda na infância, Daiana Pessoa notou que possuia um senso muito forte de justiça. Tal sentimento de indignação contra as injustiças foi se transformando em um propósito que a motivou a se tornar advogada.

A advogada Daiana Pessoa é uma figura proeminente na luta pelos direitos da criança e do adolescente, atuando como Coordenadora da Comissão da Defesa da Criança e do Adolescente da OAB de Rio Preto.
Natural de Florianópolis, Daiana reside em Rio Preto há cinco anos. Graduada em Direito pela Faculdade de Santa Catarina e possui especialização em Direitos das Mulheres. Daiana é membro da Escola Brasileira de Direitos das Mulheres, onde contribui para a promoção e proteção dos direitos das mulheres em diversos âmbitos. Ela é também pós-graduanda em Direitos Humanos e Movimentos Sociais. Sua liderança se estende ao cargo de Presidente do Comitê de Enfrentamento à Violência contra Mulheres e Meninas do Instituto Nação Valquírias, iniciativa que busca enfrentar e erradicar a violência de gênero. Entre 2022 e 2024, atuou como coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da OAB Rio Preto.
Em momentos de lazer, Daiana busca atividades que a desconectem do dia a dia intenso da advocacia e a recarreguem emocionalmente. “Meus filhos sempre conseguem trazer leveza e alegria para os meus dias. Adoro música, e um bom samba ou pagode é sempre minha escolha para alegrar o coração. E, claro, dançar é uma paixão! Outro momento de prazer é poder aproveitar um bom "papo furado" com pessoas queridas, falando sobre a vida, ou simplesmente rindo das situações do cotidiano. Também amo a natureza, aquele clima de tranquilidade, e os momentos de silêncio que me ajudam a refletir e me conectar comigo mesma. Esses momentos são essenciais para me lembrar de que, antes de tudo, sou humana. Eles me ajudam a encontrar equilíbrio e a energia necessária para continuar lutando com dedicação pelas causas que acredito”.

Leia a entrevista a seguir:

BE – O que impactou na sua carreira para se engajar na Comissão de Direitos Humanos da OAB?

Daiana Pessoa – Desde criança, sempre tive um senso muito forte de justiça. Eu era aquela que não conseguia ficar calada diante de algo errado, mesmo nas pequenas situações do dia a dia. Carreguei esse senso de indignação contra as injustiças ao longo da minha vida, e ele foi se transformando em um propósito. Quando escolhi a advocacia, sabia que queria usar essa profissão para fazer a diferença, para dar voz a quem muitas vezes é silenciado.

Atuar na defesa dos direitos humanos, foi uma escolha natural, alinhada com a minha história e meus valores. É também uma forma de honrar o juramento que fiz ao me tornar advogada: defender os direitos humanos, a justiça social e a dignidade de todas as pessoas.

BE – Quais são os principais desafios enfrentados atualmente na promoção dos direitos humanos?

Daiana Pessoa – Um dos maiores desafios é o retrocesso em relação à proteção dos direitos humanos em diversas áreas. Vivemos em um cenário de normalização da violência e da discriminação, onde a luta por direitos básicos, como saúde, educação e segurança, ainda enfrenta resistências.

Apesar dos avanços que tivemos na luta pelos direitos, na prática, esses avanços ainda são muito limitados. Temos legislações importantes e conquistas históricas, mas muitas vezes essas normas não chegam de forma eficaz às pessoas que mais precisam delas. A falta de implementação de políticas públicas e a dificuldade de acesso à justiça para populações vulneráveis tornam a promoção dos direitos humanos um desafio diário.

Além disso, a resistência cultural em reconhecer a importância dos direitos humanos é uma barreira constante. Muitas pessoas ainda enxergam esses direitos de forma distorcida, como se fossem privilégios

Outro obstáculo significativo é a desinformação e a politização dos direitos humanos. Muitas vezes, eles são mal interpretados ou deliberadamente distorcidos, sendo associados a privilégios ou a uma suposta defesa de pessoas que cometeram crimes. Essa visão equivocada enfraquece a credibilidade do que deveria ser uma causa de todos: garantir dignidade, igualdade e justiça para todos os seres humanos.

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BE – E em relação aos direitos das mulheres e crianças vítimas de violência?

Daiana Pessoa – Os desafios são enormes e multifacetados. Para mulheres e crianças vítimas de violência, as barreiras começam no medo e na vergonha de denunciar, passam pela revitimização ao longo do processo e chegam na falta de estrutura para atendê-las de forma digna e eficaz. Embora tenhamos legislações avançadas, como a Lei Maria da Penha e o Estatuto da Criança e do Adolescente, a realidade mostra que ainda há um longo caminho para garantir a efetividade dessas normas.

Uma das grandes dificuldades é a subnotificação dos casos. Muitas mulheres e crianças permanecem em silêncio por medo de represálias, dependência econômica, descrédito social ou falta de apoio familiar. Além disso, o ciclo de violência, que mistura episódios de agressão com períodos de reconciliação e arrependimento por parte do agressor, dificulta ainda mais a ruptura com essa dinâmica. Para crianças, o problema é ainda mais grave, pois muitas vezes elas não possuem voz ativa ou autonomia para buscar ajuda.

A violência patrimonial também é uma questão frequentemente negligenciada. Muitas mulheres, ao saírem de relações abusivas, perdem acesso a recursos financeiros e bens materiais, dificultando sua independência e tornando o recomeço ainda mais desafiador. Sem mencionar que, em casos de guarda e convivência, crianças podem ser usadas como instrumentos de chantagem emocional, perpetuando o ciclo de violência de forma indireta.

Outro ponto é a falta de uma rede integrada de apoio. Em muitos municípios, faltam delegacias especializadas, centros de acolhimento e serviços de saúde mental que ofereçam suporte adequado às vítimas. A ausência de políticas públicas consistentes deixa mulheres e crianças ainda mais vulneráveis. Por exemplo, muitas cidades não têm abrigos suficientes para proteger mulheres e seus filhos de forma segura, forçando-as a permanecerem em situações de risco.

Uma mudança significativa só será possível com investimentos na educação desde cedo. É essencial que crianças e adolescentes sejam ensinados sobre igualdade de gênero, respeito e empatia. A escola deve ser um espaço onde esses temas sejam debatidos, ajudando a desconstruir estereótipos de gênero e prevenir a violência antes que ela aconteça. A educação é uma ferramenta poderosa para formar uma nova geração mais consciente e comprometida com a erradicação da violência de gênero.

A resposta a esses desafios exige não apenas a aplicação rigorosa da lei, mas também um olhar sensível e humanizado. É necessário investir em campanhas de conscientização que encorajem as denúncias, capacitar os profissionais que atuam diretamente com essas vítimas e fortalecer as redes de proteção.

BE – De que forma a OAB tem trabalhado para enfrentar esses desafios?

Daiana Pessoa – A OAB tem um papel essencial ao atuar como ponte entre a sociedade civil e o sistema de justiça. Na Comissão de Direitos Humanos, desenvolvemos uma atuação ampla e sensível para enfrentar os desafios impostos pela violação de direitos humanos. Trabalhamos diretamente em casos de violações. Nosso compromisso não se limita a identificar os problemas; buscamos diálogos com os órgãos competentes sempre que os direitos humanos são suprimidos, cobrando medidas efetivas e soluções concretas.

A Ordem também desempenha um papel fundamental em campanhas de conscientização, promovendo debates, palestras e eventos educativos que têm como objetivo informar a sociedade sobre os direitos humanos e mobilizá-la em torno dessa causa. Além disso, a OAB tem se posicionado contra qualquer tentativa de enfraquecimento dos direitos já conquistados, promovendo diálogos constantes com as instituições e a sociedade. Isso está diretamente alinhado ao nosso compromisso de pugnar pela justiça social e pela defesa dos direitos humanos.

BE – Podemos dizer que não há mais um perfil específico em relação às vítimas de violência doméstica?

Daiana Pessoa – Com certeza. A violência doméstica não escolhe classe social, raça, escolaridade ou idade. Ela está presente em todas as camadas da sociedade, embora as mulheres em situação de maior vulnerabilidade, como as que vivem em pobreza extrema, as mulheres negras, trans e com deficiência, ainda sofram de forma mais intensa por conta das barreiras adicionais que enfrentam.

No entanto, ela é um fenômeno estrutural, resultado de uma cultura de desigualdade de gênero profundamente enraizada em nossa sociedade, e pode atingir qualquer mulher, em qualquer lugar.

Embora seja verdade que mulheres em situação de maior vulnerabilidade socioeconômica enfrentam desafios adicionais, como a dependência financeira do agressor e o acesso limitado a recursos de proteção, não podemos ignorar que a violência também acontece em contextos considerados privilegiados. Mulheres com altos níveis de escolaridade e independência financeira também são vítimas, mas, muitas vezes, enfrentam maior dificuldade em denunciar devido ao medo de estigmatização ou descrédito social. É fundamental desmistificar a ideia de que a violência ocorre apenas em determinados grupos.

BE – Qual a opinião da senhora sobre a ampliação das fórmulas extrajudiciais de soluções de conflitos?

Daiana Pessoa – Acredito que as fórmulas extrajudiciais de solução de conflitos, como a mediação e a conciliação, têm um papel importante na desburocratização do sistema de justiça e na resolução mais rápida de disputas. Porém, quando falamos de violência doméstica ou de violações de direitos humanos, precisamos ter muito cuidado. Nessas situações, a assimetria de poder entre as partes pode dificultar uma solução justa. Por isso, sou favorável à ampliação dessas fórmulas, desde que sejam acompanhadas de um olhar sensível e técnico para cada caso.

BE – Qual é o maior desafio da Justiça brasileira?

Daiana Pessoa – Sem dúvidas, a morosidade é um dos maiores desafios da Justiça brasileira. Um sistema lento não apenas causa desgaste emocional e financeiro para as pessoas envolvidas, mas também mina a confiança na capacidade do Judiciário de promover justiça de forma eficaz. A sensação de que "a justiça tarda e falha" é um reflexo de processos que demoram anos, e, em muitos casos, acabam perdendo seu impacto prático por não oferecerem uma solução em tempo hábil.

Além disso, a desigualdade no acesso ao sistema judicial é um problema gravíssimo. Para muitas pessoas, especialmente as mais vulneráveis, a Justiça parece ser um privilégio, e não um direito universal. A ausência de recursos financeiros para contratar advogados, somada à falta de informação sobre direitos e procedimentos legais, exclui uma grande parcela da população do direito básico à defesa de seus direitos e há um julgamento justo.

O déficit de infraestrutura e recursos humanos no Judiciário também é um ponto crítico. Muitas varas e comarcas, especialmente em regiões mais remotas, carecem de juízes, servidores e tecnologia adequados para atender à demanda. Essa carência perpetua a desigualdade entre quem vive em grandes centros urbanos, onde o acesso é mais facilitado, e quem reside em localidades mais afastadas.

Promover uma Justiça mais ágil, acessível e humanizada é um compromisso que deve envolver não apenas o Judiciário, mas também todos os operadores do Direito e a sociedade. É essencial que as reformas sejam pautadas pela busca de equidade e eficiência, garantindo que o acesso à Justiça seja um direito real para todos os brasileiros, e não apenas uma promessa formal.

BE – E o que poderia ser feito para saná-lo?

Daiana Pessoa – Acredito que investir na tecnologia e na modernização do sistema judicial é um caminho essencial, mas isso precisa vir acompanhado de um fortalecimento dos órgãos da justiça e de uma capacitação contínua dos operadores do direito. Além disso, é preciso ampliar o acesso à justiça, garantindo que todos, independentemente de sua condição social, tenham seus direitos respeitados.

BE – E em relação à defesa dos direitos humanos?

Daiana Pessoa – Os maiores desafios para viabilizar os direitos humanos estão profundamente conectados à desigualdade estrutural que enfrentamos.

A defesa dos direitos humanos é, para mim, é o princípio de tudo. É a base que sustenta uma sociedade justa e igualitária. No entanto, essa luta é cheia de desafios, porque envolve desconstruir estruturas de desigualdade que estão profundamente enraizadas em nossa cultura e em nossas instituições.

Na prática, defender os direitos humanos significa, muitas vezes, estar ao lado das pessoas mais vulneráveis e enfrentar resistências. É trabalhar para dar voz a quem foi silenciado, buscar justiça para aqueles que sofreram violações e, acima de tudo, garantir que ninguém seja invisibilizado.

O que mais me toca nessa caminhada é a indiferença de muitos diante da dor alheia. É doloroso ver que, em vez de serem compreendidos como garantias básicas de dignidade, os direitos humanos ainda são vistos como privilégios por boa parte da sociedade. Essa visão distorcida, alimentada pela desinformação e pelo preconceito, cria uma resistência enorme para que possamos avançar.

Para superar isso, acredito que precisamos começar pela educação. Informar desde cedo sobre direitos, igualdade e respeito pode transformar gerações. Além disso, como sociedade, precisamos de um compromisso genuíno em garantir que ninguém seja invisibilizado ou deixado para trás.

É necessário que a sociedade compreenda que os direitos humanos não são uma escolha: são uma necessidade e principalmente, são direitos.

BE – Para finalizar, a senhora gostaria de deixar uma mensagem para a sociedade sobre a importância dos direitos humanos?

Daiana Pessoa – Sim, e essa mensagem vem do fundo do coração. Os direitos humanos não são um privilégio de alguns, mas uma garantia de dignidade para todas e todos. São eles que nos lembram que, independentemente de quem somos ou de onde viemos, temos o direito de viver com respeito, justiça e igualdade.

É uma luta difícil, mas cada passo vale a pena. É isso que me move: a certeza de que, mesmo diante dos desafios, a defesa dos direitos humanos é uma forma de tornar o mundo um lugar mais justo e igualitário.

Quero convidar a sociedade a refletir sobre o papel que cada um de nós pode desempenhar na defesa desses direitos. Não precisamos ocupar cargos públicos ou ser especialistas para fazer a diferença. Ações, como respeitar o próximo, apoiar quem sofre injustiças e denunciar violações, são formas poderosas de construir um mundo mais humano e solidário.

Lutar pelos direitos humanos é, acima de tudo, acreditar que podemos transformar realidades. E essa luta começa no dia a dia, no olhar atento às desigualdades, na escuta empática e na vontade de agir. Quando defendemos os direitos humanos, estamos defendendo o que há de mais valioso: a dignidade de cada ser humano.

Que possamos sempre nos lembrar disso e agir para que essas garantias sejam reais para todos, sem exceção. Porque a justiça, a igualdade e o respeito são lutas que só fazem sentido quando são coletivas.

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