Há uma espécie de luto silencioso que toma conta das pessoas em dezembro. As decorações incluem velas e com elas, nossas luzes internas se acendem também. As lembranças de nossas melhores festas e confraternizações em família nos vêem à memória com nostalgia pelos que já não estão mais entre nós. Melancolicamente, prepararemos mesas de reencontros que não poderemos mais.
Justamente nessa coreografia festiva que os lutos se fazem ainda mais presente.
Luto não termina, ele só muda de forma. E talvez o final do ano, com todo o seu brilho insistente, seja justamente o momento em que essa inscrição reapareça com mais nitidez. Enquanto o mundo veste dourado e fala em festa, o luto insiste em vir dentro e na sua cor mais própria, sóbria, lenta. Mais funda. É nessa discrepância entre o brilho externo e a realidade interna que muitos sentem uma dor particular: a de não caber na festa. A de não ter o rosto que esperam. A de não conseguir acompanhar o ritmo do mundo.
E tudo bem.
As festas de fim de ano têm esse poder estranho: ampliam presenças, mas ampliam também ausências. A cadeira vazia, o ritual quebrado, a pessoa que falta, as lembranças que nos atravessam.
A mesa pode estar cheia, mas às vezes o coração está recolhido — e é justo que esteja.
Quando temos crianças em nosso entorno talvez seja mais fácil nos dedicarmos ao lúdico de agradá-los com presentes e fantasias de Papai Noel. As crianças, esses enormes bálsamos de alegria, que com sua pureza e afetuosidade fazem -nos nos desprendermos de nós mesmos e encontrarmos felicidade em felicitar. Mesmo que por dentro sangremos. É um pouco isso, o amor que se perde com os que se vão não vira poeira; vira marca, vira saudade.
Por isso, se este dezembro ainda dói — ou dói de novo — permita-se ser honesto consigo. Não force o passo. Não se cobre luz quando o que você tem é bruma. Há uma dignidade imensa em respeitar o próprio tempo, em reconhecer que o luto não acompanha calendário, não combina com contagem regressiva, não sabe nada sobre expectativas sociais.
Ele tem seu próprio compasso — íntimo, irregular, profundamente humano.
Seguir esse compasso é, de certo modo, continuar amando. Porque o luto é isso: uma expressão de amor que ainda não encontrou novos caminhos para circular. Uma fidelidade que persiste, uma memória que insiste em lembrar que algo foi importante demais para ser simplesmente esquecido.
Se o seu fim de ano pedir menos brilho, aceite isso como mais verdade. Menos obrigação e mais cuidado.
Faça ritos pequenos e gentis que só você pode oferecer a si mesmo.
E está tudo bem assim.
Que este período, com toda sua intensidade, lhe permita viver o que for possível — sem pressa, sem comparação, sem violência interna. Que haja espaço para a dor, mas também para um descanso discreto.
Porque a vida continua, mas o amor que ficou continua também. E encontrar um lugar para ele, mesmo entre luzes de Natal e contagens regressivas, talvez seja o gesto mais íntimo de reconciliação consigo mesmo.
Karina Younan
Psicoterapeuta, mestre em ciências da saúde pela Famerp,mãe de artista e apaixonada pela vertente
fenomenológica existencial
@kayounan
