“Asco: Thomas Bernhard em San Salvador” fez com que o escritor hondurenho Horacio Castellanos Moya (1957) ganhasse projeção mundial. Mas não foi só isso. Publicado originalmente em 1997, em El Salvador, país para onde Moya se mudou aos 4 anos de idade, a publicação lhe rendeu também inúmeras ameaças de morte.
A questão é que esse pequeno romance de tom furioso é um desabafo violento do autor. Moya que, devido à situação política de El Salvador, se exilou no Canadá, depois de passar por Costa Rica, México e Espanha, a partir de 1979, não polpa, em “Asco”, área alguma da vida social e cultural do país.
Segundo o autor, o romance nasceu de um exercício de estilo “no qual pretendia imitar o escritor austríaco Thomas Bernhard, tanto na prosa, baseada na cadência e na repetição, como na temática”. No caso de Bernhard, tratava-se de uma crítica contra a Áustria e sua cultura. No caso de Moya, “uma demolição cultural e política de El Salvador”.
“Asco”, segundo o autor, não sofreu de seu azar (Moya ficou dois anos sem aparecer no país) e chegou a ser leitura obrigatória em uma universidade de El Salvador. O livro ultrapassou fronteiras e o escritor chegou a receber pedidos para que escrevesse um “Asco” sobre outros lugares por onde transitava.
A narrativa, que tem perto de 100 páginas, é um texto contínuo, não tem parágrafos e traz pouca pontuação. É como se fosse uma fala ininterrupta. Um desabafo que o narrador não pode guardar para si, sob pena de acabar sufocado.
O enredo traz o professor universitário Edgardo Vega que, após dezoito anos em um exílio voluntário no Canadá, retorna a San Salvador. O motivo é a morte de sua mãe. Um dos únicos amigos dele no país, cujo nome, aliás, é o mesmo do autor, Moya, vai ao velório e é convidado por Vega a ir a um bar conversar. Lá, ao som de Tchaikovski, ele faz o desabafo, regado a muito uísque, ao antigo colega de escola.
O ouvinte, que é escritor, nos faz conhecer seu relato. As impressões que El Salvador traz a Vega são muito semelhantes àquelas que tinha quando o deixou. Um país cego pela ilusão do progresso a qualquer preço, com ensino de baixa qualidade, uma classe média alienada e um sistema político extremamente corrupto. Um lugar permeado pela pobreza, pela violência e pelo crime.
Muito embora o relato que Vega faz a Moya seja direcionado a um país específico da América Central, é desnecessário dizer que espelha inúmeros outros da América Latina, dentre eles, o Brasil.
Fiquei impressionada com a fúria do relato e a coragem do escritor. É claro que não podemos nos esquecer que “Asco” é uma obra de ficção. Porém, ela veicula conteúdo da vivência de Horacio Moya. E se constitui enquanto matéria que faz refletir sobre as incoerências e as misérias da América Latina por meio de alguém que transitou bastante em meio a elas! Uma leitura bastante curiosa.
