O analista de Bagé, um psicanalista “freudiano barbaridade”, é o personagem mais conhecido do escritor, tradutor, cartunista, roteirista e dramaturgo gaúcho Luis Fernando Verissimo, que nos deixou no dia 30 de agosto.
Inicialmente concebido para que Jô Soares o utilizasse em um programa humorístico de TV, o personagem ganhou projeção no âmbito literário. A primeira edição de suas histórias, em 1981, teve os exemplares esgotados em dois dias. Depois disso, elas ganharam versão em quadrinhos e serviram de inspiração para peças de teatro.
O fato é que “O analista de Bagé” tem narrativas curtas e dinâmicas, surpreendentes e, por vezes, politicamente incorretas. Luis Fernando Verissimo é um autor que circula em meio a códigos culturais distintos e consegue fazer humor a partir da quebra de expectativas em relação a estereótipos.
Como o próprio Verissimo afirmou, em entrevista, o humor nas histórias desse analista nasce da ideia de marcar a incongruência entre personagem e ambiente, mobilizando elementos próprios a um contexto específico, o do Rio Grande do Sul.
O analista de Bagé é um freudiano rude, que mistura a seriedade do método psicanalítico, intelectual e cosmopolita, com a suposta aspereza do gaúcho do interior: “Se abanque, no más - disse o analista de Bagé, indicando o divã. / Eu, ahn, prefiro ficar de pé - disse o moço. / Se abanque, índio velho, que tá incluído no preço. / Não, obrigado... / Deita aí!”.
Em seu processo de análise, o personagem se vale de métodos pouco convencionais, como a terapia do joelhaço: “Um bom joelhaço sacode as cosa e restabelece as prioridade”. Tem um divã coberto de pelego, atende tomando chimarrão, recebe os pacientes de bombacha e pé no chão e tem hábitos questionáveis: “O analista começou a limpar as unhas do pé com um facão”.
A secretária, Lindaura, o ajuda na triagem dos pacientes. Afinal seus métodos atraem multidões e ele não quer saber de complexos que considera menores, como os de inferioridade e o de Édipo: “Só aceita casos difíceis, pois, como diz, ‘cavalo manso é pra ir à missa’”.
É curioso observar que Luis Fernando é filho de Érico Verissimo, autor da saga épica “O Tempo e o Vento”, obra que retrata a história do Rio Grande do Sul e a formação da identidade de seu povo. Seus personagens encarnam valores caros ao gaúcho, a bravura e a força, por exemplo. O criador do analista de Bagé, porém, brinca justamente com as expectativas e os clichês relacionados à sua figura. Renova e brinca com as percepções de forma livre e autêntica, sem o peso instaurado pela tradição paterna.
A estranheza causada pelas coisas fora do lugar esperado garante o humor irreverente, que o tornou um clássico a perpassar gerações. Se você quiser ouvir uma das histórias de “O analista de Bagé” acesse o QR code ao final desta página!
