SONHO REALIZADO!
“O último sonho” (2023) é um livro peculiar. O que é compreensível, aliás. Afinal, Pedro Almodóvar (1949-), seu autor, é um artista singular. Celebrado cineasta espanhol, Almodóvar tem filmografia marcante e muito característica. Filmes densos, que exploram o melodrama de maneira a fazê-lo transitar entre o trágico e o cômico. Sempre coloridos, irreverentes e ousados, trazem temas que envolvem desejos, paixões, identidade e família.
Almodóvar sabe transformar o absurdo e o bizarro em histórias que nos parecem cotidianas e nos convence do absurdo dos fatos mundo, que surgem estrondosos em seus arranjos sempre renovados. “Fale com ela” é de um lirismo surpreendente. “Má educação” é forte e imprevisto.
“O último sonho” mostra uma faceta adversa do cineasta. O livro é uma coletânea de textos de caráter e extensão variados. Em sua maioria são contos, mas há crônicas, relatos e reflexões, que abordam relações familiares, pessoais, seu percurso no cinema.
Trata-se de um conjunto, segundo nos diz na “Introdução”, o mais próximo que chegou da autobiografia que sempre se recusou fazer, ainda que ela surja “fragmentada, incompleta e um pouco enigmática”.
Mas é claro que “O último sonho”, enquanto obra literária, interessa a qualquer leitor, conheça ou não o trabalho do cineasta. Os contos são inusitados e originais. Alguns possuem teor fantástico, caso de “Vida e morte de Miguel” ou “A cerimônia do espelho”. O primeiro guarda incrível semelhança com o filme “O curioso caso de Benjamin Button”: “pensei que tinham copiado minha ideia”, afirma o autor. O último, “A visita” e “A redenção” exploram temática religiosa. Os três mostram uma percepção muito pessoal do autor no que diz respeito à religiosidade.
Outro dado curioso é que os contos transitam por tempos indeterminados, o que aproxima alguns deles dos contos fantásticos. Claro que sempre com um toque muito pessoal! É o caso do já citado “A crônica do espelho”, uma história sobre vampiros e padres. Ou “Joana, a bela demente”, uma releitura da história da Bela Adormecida.
Dado relevante é que os textos foram escritos da década de 1960 a 2023. “Um romance ruim” é o último que escreveu. Uma espécie de crônica que fecha a coletânea, mas poderia muito bem abri-la. Trata-se de uma reflexão sobre o desejo de ser escritor que o acompanhou desde sempre. Almodóvar teria percebido, ainda na juventude, que o que escrevia não eram contos literários, “e sim rascunhos de roteiros cinematográficos”.
O roteirista, afirma, deve ser um sujeito implacável, “um escravo da história que deve contar” e para fazer isso deve encurtar frases e reações, cenas ou personagens, o que seria diferente para o escritor literário. Que bom que Almodóvar contrariou sua percepção e publicou suas histórias tão cheias de imagem, vida e personalidade. Tão líricas, sensíveis e literárias!
O ÚLTIMO SONHO
Pedro Almodóvar
Editora: Companhia das Letras (2024)
Páginas: 192
Preço: R$ 71,49 (Em sebos virtuais a partir de R$ 55)