“A elegância do ouriço” é um romance que fez enorme sucesso na França, onde foi publicado em 2006. Com mais de 850 mil exemplares vendidos no país, foi traduzido para dezenas de idiomas e ganhou versão cinematográfica em 2009.
A autora, Muriel Barberry (1969-), que estreou na literatura com “A morte do gourmet”, em 2000, é uma professora de filosofia da Normandia. Coerente com a trajetória dessa ex-aluna da École Normale Supérieure, de Paris, o romance carrega fortes traços filosóficos além de profundas reflexões sobre a vida contemporânea.
“A elegância do ouriço” traz duas linhas narrativas. Ambas narradas em primeira pessoa. Por um lado, temos acesso à narração de Renée, uma viúva de 54 anos, zeladora de um prédio de luxo de Paris. O número 7 da Rue de Grenelle, edifício habitado por famílias ricas e tradicionais.
Renée é uma amante do conhecimento, da arte, da literatura e da música. Porém, ela não deixa que seu espírito intelectualmente inquieto transpareça aos patrões. Ela entende que deve não apenas ser, mas também parecer uma zeladora, ou seja, atender a determinadas expectativas quanto à sua posição naquele meio.
À narração de Renée alterna-se a de Paloma Josse, garota de 12 anos, filha de uma das famílias residentes no local, e uma espécie de dissidente de seu meio. Calada e pensativa, Paloma mantém duas séries de anotações, o “Diário do movimento do mundo” e os “Pensamentos profundos”.
Extremamente inteligente, Paloma traz consigo a solidão que a busca por sentidos e vínculos pode proporcionar. A pouca idade faz com que sua percepção se aproxime da autenticidade da criança, ainda não forjada pelo convívio social.
A busca por uma conexão genuína com o mundo permeia a trajetória das duas personagens. Nesse processo, as aparências, os costumes, as futilidades que dão forma aos papéis sociais surgem como construções que mascaram essências eternamente ocultas. Restam o superficial e o inautêntico. A busca solitária por um sentido.
Certa irracionalidade que ronda o existir faz com que as personagens de “A elegância do ouriço” nos remetam àquelas de Camus, em “O estrangeiro”: “Fico pensando se não seria mais simples ensinar desde o início às crianças que a vida é absurda”, afirma Paloma em certo ponto de suas reflexões.
A afinidade entre as protagonistas surgirá ao longo da narrativa, provocada por Kakuro Ozu, um senhor japonês que se muda para o prédio. O entrelaçar de suas trajetórias nos mostrará que, mais do que descobrir um sentido para a existência, devemos construir um. A consciência da finitude e a arte são ingredientes fundamentais nesse processo.
Adriana Teles
Pós-doutora em literatura pela USP. Escritora e autora de diversos livros, dentre eles, Machado e Shakespeare, Intertextualidades (2017), Íris Negra e Dez Minutos no Museu (2023)
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