“O mystério” é um livro curiosíssimo. Considerado o primeiro romance policial da literatura brasileira, ele foi publicado primeiramente em folhetim entre março e maio de 1920. Teve enorme repercussão e foi, em seguida, editado em volume único pela editora de Monteiro Lobato. Estima-se que foram vendidos cerca de dez mil exemplares, o que é espantoso para a época.
Além da curiosidade de ser o precursor de um gênero, no Brasil, “O mystério” tem a peculiaridade de ser um romance colaborativo. Ele contou com quatro autores, que se revezavam na sua escrita. “O mystério” foi quase que uma brincadeira literária. Cada dia um autor escrevia um capítulo dando continuidade ao anterior, assinado por outro autor, e cujo conteúdo tomava conhecimento somente quando saía o jornal.
Os quatro autores dessa peripécia literária são Afrânio Peixoto (1876-1947), Coelho Neto (1864-1924), Medeiros e Albuquerque (1867-1934) e Viriato Correa (1884-1967), todos membros da Academia Brasileira de Letras. Juntos eles criaram uma história de ritmo intenso, cheia de viravoltas, tramas mirabolantes e personagens inusitados.
A narrativa tem a técnica do crime reverso ou invertido. O ponto principal de “O mystério” não é descobrir o culpado pelo crime que deflagra a narrativa. Este é nosso conhecido desde o primeiro capítulo. O aspecto central do romance é o trabalho de investigação que desvendará sua autoria.
A trama se desenvolve a partir de um capítulo escrito por Medeiros e Albuquerque. Pedro Albergaria é um rapaz pobre, que tem como objetivo assassinar o banqueiro Sanches Lobo. No passado, Lobo roubou a fortuna de sua família e deixou a todos na miséria. Após a morte de sua mãe, ele decide matar o banqueiro e esvaziar os cofres de sua residência a fim de vingar a família.
Albergaria é um aficionado pela literatura policial e de mistério e reúne elementos para um crime perfeito. Ele mata Lobo asfixiado no início da noite, quando o mordomo e a criada tinham por hábito sair de casa, e adianta o relógio para as 23h. Quando deixa a casa de Lobo, comete um crime menor – rouba doces de uma vendedora na rua. Desse modo, ele está preso na delegacia na suposta hora do crime.
A partir daí acompanhamos Mello Bandeira, uma espécie de Sherlock Homes carioca, e o delegado Lobato circulando pelo Rio de Janeiro da Belle Époque, com suas novas tecnologias e modernizações, às voltas em tentar desvendar o crime.
“O mystério” surge em um momento em que a literatura policial despontava com força na Europa. É um romance que abraça o gênero de maneira divertida e despretensiosa e que lhe dá cores locais. Um documento histórico e literário que acabou caindo no esquecimento. Mas, felizmente, foi reeditado em 2024 pela Harper Collins.
É uma excelente (e curiosa) leitura!
