Um coração pulsa

“Meu maior desejo é ser jornalista, e mais tarde uma escritora famosa”, ela escreveu aos 14 anos. Não conseguiu se dedicar ao jornalismo, mas se tornou uma escritora mundialmente conhecida. Aliás, mais do que isso. Ela tem sido reconhecida por historiadores e jornalistas como um símbolo contra a intolerância, foi eleita pela “Time”, em 1999, como uma das pessoas mais importantes do século XX devido ao impacto de sua obra.
Confesso que relutei em ler “O diário de Anne Frank”. Os motivos são diversos. Trata-se de uma obra icônica quando pensamos nos desastres promovidos pela II Guerra, e esse traço tão marcado talvez me fizesse tomar o texto como uma espécie de ritual a ser seguido. Leitura obrigatória. Temos que viver a tristeza. Devemos isso a quem sofreu os horrores do Holocausto.
Não gosto de leituras obrigatórias. Além do que, o cotidiano já nos enche de angústia com suas mazelas. Basta assistir a um telejornal. Temos, hoje, uma guerra na Europa. Um massacre na Palestina. Uma situação desoladora no Iêmen. Guerras civis horrorosas no Sudão e em Mianmar. Eu preciso ler “O diário de Anne Frank”?
A resposta é sim. Não digo isso pela qualidade da escrita, que é excelente, como eu já imaginava. Aliás, impressiona-me a capacidade de uma garota de 14 anos de articular reflexões e sentimentos de maneira tão precisa e elaborada. Fico imaginando o que ela produziria caso tivesse sobrevivido ao Holocausto.
O que mais chama a minha atenção é a vida que pulsa em cada uma de suas anotações. A esperança de um fim positivo para os que estavam no Anexo Secreto. Anne faz planos para o futuro, sente pena daqueles que não podem se exilar do mundo para se proteger.
O diário de Anne traz seu desenvolvimento físico e intelectual ao longo de pouco mais de dois anos. É no esconderijo que Anne menstrua pela primeira vez e é lá que ela descobre o amor, ao se apaixonar por Paul Van Daan, filho do casal que coabitava com eles. Em seus escritos, Anne tenta compreender a relação difícil que tem com a mãe. Fala sobre as afinidades com o pai. A distância da irmã. Escreve contos, estuda inglês, álgebra e geografia.
O que há de mais triste em seu livro é que, diferente de Anne, nós sabemos o final da história. Sua última anotação data de 1º. de agosto de 1944, três dias antes de serem descobertos. Nela, ela se pergunta pelo significado da palavra “contradição”.
Ela pensava em seus sentimentos tumultuosos. Mas cabe dizer que “contradição” é a vida que quer seguir seu curso e é afrontada pela violência arbitrária. Chegar ao final do diário é chegar a um desfecho trágico. Algo que neste domingo vai ocorrer a muitos corações que pulsam em meio às guerras do mundo. E que encontrarão o seu fim. É o triunfo da violência. Da irracionalidade. Do nonsense.
ERRATA: Na edição de 05/10/25, onde se lê: “Moya (...) não polpa”, leia-se “Moya não poupa”.