Narcisa Amália de Campos (1852-1924) escreveu um único livro, “Nebulosas”, publicado quando ela tinha apenas 20 anos. Poeta, tradutora, professora, é considerada a primeira jornalista profissional do Brasil. Escreveu artigos em prol da abolição, com posturas republicanas e de cunho feminista.
Narcisa, que chegou a fundar um jornal literário, casou-se e divorciou-se duas vezes. Sofreu forte estigma social. Seu sucesso incomodou o ex-marido, que espalhou o boato de que seus poemas eram escritos por poetas com quem ela tinha casos de amor. Houve quem dissesse que “Nebulosas” havia sido escrito por um homem com pseudônimo de mulher.
O fato é que seu livro de poemas recebeu elogios de Machado de Assis e de Dom Pedro II, e este quis conhecê-la pessoalmente. Apesar do sucesso inicial, a obra caiu no esquecimento. Ganhou segunda edição apenas em 2017. Iniciativa, aliás, de um valor inestimável. Narcisa é parte de nossa história cultural e literária, figura relevante na história das brasileiras escritoras e de mulheres que burlaram o mundo essencialmente masculino das letras, dos jornais, dos livros de então.
“Nebulosas” traz 44 poemas e é dividido em três partes. A primeira é de teor mais subjetivo, nas outras duas, ela fala sobre a natureza, a pátria e a escravidão. Sua poesia vai ao encontro da estética romântica, com temas como a melancolia, a solidão, as tristezas que envolvem o viver, o apelo à liberdade.
Com vocabulário bastante preciso e sofisticado, muito embora a temática nos leve a aproximá-la do ultrarromantismo, o enorme cuidado com a forma nos remete à estética parnasiana, movimento que teria início, no Brasil, nos anos 1880: “Ante o gigante brasíleo,/Ante a sublime grandeza/Da tropical natureza,/Das erguidas cordilheiras,/Ai! Quanto me sinto tímida!/Quanto me embala o desejo/De descrever num harpejo/Essas cristas sobranceiras!”
Narcisa foi revolucionária ao falar da liberdade da maneira como falou e, aliás, como a exerceu. A liberdade de escrever e de se expressar, a liberdade pessoal, a liberdade do outro. Cito versos de ‘O africano e o poeta’: “Deixei bem criança/Meu pátrio valado,/Meu ninho embalado/Da Líbia no ardor;/Mas esta saudade/Que em túmido anseio/Lacera-me o seio/Sulcado de dor,/Que sente? – o poeta/Que o elísio descerra;/Que vive na terra/De místico amor!”
A primeira edição de “Nebulosas” está disponível em Domínio Público. O livro foi digitalizado, página por página, com excelente qualidade, pela Biblioteca Brasiliana da USP. Você o encontra facilmente no seu site de busca. Convido vocês a acessá-lo!
Eu os convido, ainda, a ler alguns de seus poemas, qualquer que seja, em voz alta. Eles são de uma sonoridade e de uma beleza ímpares. Se você gosta de poesia, não deixe de conhecer. Uma excelente leitura!
