Um dos quadros mais famosos de Rembrandt (1616-1669) foi produzido quando ele tinha apenas 26 anos. Trata-se de “A lição de anatomia do Dr. Nicolaes Tulp” (1632), considerado revolucionário na história da arte.
O quadro, feito sob encomenda pela Guilda dos Cirurgiões de Amsterdã, é impactante. Aliás, sugiro que você o busque no Google.
Nele, vemos uma aula do famoso professor acompanhado por sete estudiosos da anatomia humana. Junto ao grupo, há o cadáver de um homem estendido sobre a mesa de dissecação.
A forte impressão que a imagem provoca no observador acompanhou a norte-americana Nina Siegel (1969-) desde criança. Havia uma reprodução da tela no escritório de seu pai. Adulta, ela estudou história da arte. Na pós-graduação, deveria “ler” um quadro. Escolheu este, que a acompanhava desde pequena.
Disposta a produzir um livro sobre a tela, Siegel mudou-se para Amsterdã a título de pesquisa. Seu objetivo era escrever um romance sobre o homem que aparece morto no quadro, Adriaen Adriaensz, também conhecido como Aris Kindt, ou Aris, o garoto.
“A lição de anatomia”, publicado originalmente em 2014, com edição no Brasil de 2017, busca recuperar, por meio da ficção baseada em fatos documentados, um pouco da história desse ladrão, enforcado na manhã de 31 de janeiro de 1632, dia da aula anual do Dr. Tulp.
O romance de Siegel se passa em um único dia e, ao longo dele, acompanhamos seis personagens com histórias que se entrecruzam e que ajudam a compor o perfil de Aris Kindt e os caminhos que o conduziram até ali, os costumes e o pensamento científico da época.
Conhecemos um pouco da vida complicada de Ariz em meio a privações e violência; o empenho de Flora, sua namorada grávida, em salvá-lo da condenação. Conhecemos o órfão Jan Fetchet, encarregado de obter cadáveres para a dissecação. Ouvimos o filósofo René Descartes, que assiste à aula e tenta compreender a essência da alma e do corpo humano. Acompanhamos os preparativos do cirurgião Nicolaes Tup, que se prepara para o evento, e, finalmente, o próprio Rembrandt.
Por meio das reflexões do artista, Siegel nos oferece uma espécie de leitura do quadro. Busca apontar questões técnicas e significações. Estas, afeitas, eu diria, à fala de um de seus personagens, que afirma que Jesus também morreu como um ladrão. Aliás, muitos dirão que a posição de Aris na mesa recorda fortemente a dos Cristos jacentes.
O livro traz um contexto muitas vezes desconhecido (e assustador) a nós. Caso dos enforcamentos públicos, disputados por espectadores ávidos de curiosidade. Da aula anual de anatomia aberta ao público disposto a pagar caro pelas entradas. Evento, aliás, seguido de uma grande festa com banquete e vinhos finos.
“A lição de anatomia” é um livro elaborado com cuidado e nos faz transitar pelo mundo da arte e pela nossa história. Muito curioso.

