A ostentação raramente aparece nomeada como tal. Não se trata apenas de consumo excessivo ou vaidade social, mas de um modo de existir atravessado pela necessidade de parecer – parecer feliz, realizado, desejável, inteiro.
Vivemos sob a lógica de que ser, por si só, não basta. É preciso ser visto para ser real. Invejados, para sentir que temos algo.
A imagem deixou de ser expressão do que vivido e passou a ocupar o lugar da própria experiência. Antes de sentir, mostramos. Antes de elaborar, editamos. Antes de sustentar o vazio, o cobrimos com signos visíveis de valor.
Na clínica contemporânea, ela surge disfarçada de cansaço, de comparação constante, de angústia difusa, de uma sensação persistente de insuficiência.
Do ponto de vista existencial, a ostentação funciona como defesa.
Contra o quê? Contra a percepção de falta. Ela opera como um tamponamento do vazio constitutivo da condição humana – vazio esse que não é falha, mas espaço de criação de sentido. O problema é que uma sociedade orientada pelo desempenho e pela visibilidade transforma esse vazio em algo intolerável, quase patológico. Sentir-se perdido vira sinal de fracasso. Não saber vira ameaça identitária.
Assim, o sujeito aprende a se construir a partir do olhar do outro. Seu valor não emerge da experiência vivida, mas da validação externa. Curtidas, reconhecimento, admiração tornam-se reguladores afetivos. A felicidade passa a ser uma evidência estética, não um estado existencial. Algo que se mostra, não algo que se habita.
Clinicamente, isso cobra um preço alto. Quanto mais a vida se organiza em torno da imagem, mais empobrecido fica o contato consigo. O corpo vira vitrine. O afeto vira narrativa. O sofrimento, quando aparece, vem acompanhado de culpa: “se tenho tanto, por que ainda me sinto assim?”. Surge então a dissociação entre o que se vive e o que se apresenta – terreno fértil para angústias silenciosas, depressões mascaradas e relações frágeis sustentadas por aparência.
A ostentação não fala de excesso; fala de carência. Não denuncia quem tem demais, mas quem foi pouco autorizado a ser. É um pedido de reconhecimento que não encontra repouso, porque nenhum olhar externo é capaz de sustentar uma identidade que não se enraíza internamente.
Talvez o trabalho mais necessário, e delicado, seja devolver ao sujeito a possibilidade de existir sem performance. Sustentar o não saber, o não mostrar, o não parecer. Recuperar o direito de uma felicidade não exibível, não comparável, não mensurável.
Porque sentido não se produz sob holofotes. Ele se constrói na experiência, na presença e na coragem de habitar o que somos – inclusive aquilo que não impressiona ninguém.
