A nutrição humana reflete interações complexas entre fatores biológicos e culturais, incluindo a seleção de genes adaptativos em resposta a mudanças na dieta. A seguir, três exemplos ilustram tais interações.
O primeiro, ponto de partida para a evolução cultural, foi a produção de ferramentas pelo Homo habilis, que, há cerca de 2 milhões de anos, inaugurou o ato de cortar e a transição de uma alimentação à base de plantas para o consumo regular de carne, ainda que crua, vital para o aumento do tamanho do cérebro humano. O gene da apolipoproteína E3, surgido há cerca de 300 mil anos, é um “gene adaptativo à carne”: sua proteína, a APOE3, atua na solubilização do colesterol no sangue e direciona seu excesso para o fígado, onde é eliminado. Isso confere proteção contra a doença de Alzheimer (DA) e a aterosclerose. Também surgiram variantes desfavoráveis que persistem nas populações: a APOE4 eleva o risco de desenvolver a DA, pois atua na deposição da proteína beta-amiloide no cérebro.
Outra alteração substancial ocorreu há cerca de 450 mil anos, quando nossos ancestrais perceberam que podiam usar o fogo para cozinhar os alimentos, facilitando a digestão e aumentando a absorção de nutrientes e o aporte calórico. O gene Amy1, encontrado em grande número de cópias apenas em humanos, codifica a amilase salivar, enzima que digere carboidratos, fonte de energia. Estima-se ter surgido por volta da invenção da cocção, o que acelerou o crescimento do cérebro. É evidente nas populações atuais o gene Amy1 conferir aptidão: os indivíduos de sociedades agropastoris apresentam mais repetições do que os de sociedades de caçadores-coletores. Além disso, a prevalência de obesidade, doenças cardiovasculares e síndrome metabólica é maior entre aquelas com menor número desse gene.
Há cerca de 10 mil anos, a invenção da agricultura e da pecuária representou uma verdadeira revolução. A alimentação rica em cereais e leite de origem animal resultou em um crescimento populacional exponencial, um dos marcos da humanidade. Nesse período, ocorreu uma mutação no gene MCM6, cuja função é controlar o gene LCT, responsável pela síntese de lactase. Enquanto o MCM6 não alterado mantém o gene LCT ativo, produzindo sua enzima até o final da lactação e reduzindo sua ação depois, a variante o mantém ativo até a idade adulta, conferindo vantagens nutricionais: os adultos desfrutam dos benefícios do leite sem os incômodos decorrentes da fermentação da lactose no intestino grosso — como inchaço, cólica, diarreia e náusea —, condição conhecida como intolerância à lactose. A persistência da lactase, presente hoje em um terço da população mundial, é o exemplo mais sólido de adaptação a transformações culturais e alimentares.
Porém, a vida moderna impõe novos desafios, como o consumo excessivo de alimentos ultraprocessados, ricos em aditivos, açúcar, gorduras trans e sódio, e o sedentarismo. Entre os potenciais danos, incluem-se obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, diversos tipos de câncer, declínio cognitivo e demência. Entender como as dietas do passado moldaram nossa evolução pode estimular a mudança dos hábitos alimentares atuais e, assim, beneficiar a saúde humana.
