“o invisível aspira a forma”
Hatherly
I.
O asfalto molhado
repele a luz feito um lago
profundo, no esquecido silêncio
dos peixes. A noite
não merece estrada, apenas
arrependimentos.
II.
Alguns minutos a mais
e o fato comprovado no funil
da pista: carros tombados
e alguns corpos cobertos
em plástico. Luzes vermelhas
piscando desesperadamente
à lenta e curiosa fila
que beira a ilegibilidade –
olhos estendidos
ao ponto de letra.
III.
O tempo desdobra,
mimetiza o espaço e desvenda
o sentido do gesto – enigma
da linguagem a conquistar
a realidade: dissemelhança pervertida
do mundo que não se esgota
à margem do abismo.
IV.
Um verso escapa da língua.
Sentidos se perdem no percurso
da letra. A imagem é realidade
própria da textura do verbo –
experiências espaciais, movimento
de signos até o indizível
da efígie escritura
que jamais se finda.
V.
A manhã não merece consolo,
talvez arrependimentos.