Sándor Márai e ‘As brasas’
“As brasas” é um romance de linguagem fluida e elegante. Publicado originalmente em 1942, fala sobre amizade, honra e paixão amorosa. Narrativa de grande sucesso, não era apreciada por seu autor. Sándor Márai a julgava “excessivamente romântica”.
Márai (1900-1989) nasceu em Kassa, hoje Kosice, atual Eslováquia, na época parte do Império Austro-húngaro. Escrevia em húngaro e passou boa parte de sua vida em Budapeste. No final dos anos 1940, deixou o país. Passou temporadas na França, na Itália, nos Estados Unidos.
“As brasas” tem trama que retoma o contexto do império austro-húngaro, seus aristocratas e costumes. O elemento deflagrador do romance é uma visita que um velho general do Império recebe. Trata-se de um amigo inseparável da infância e da juventude que, de maneira súbita, fugiu e nunca mais mandou notícias. Eles não se veem desde 1899 e se passaram 41 anos desde então.
Parte significativa do romance trata do jantar em que Henrik recebe, na sua casa, um castelo na região dos Cárpatos, o velho Konrad. Curioso notar que o romance lembra, por vezes, um monólogo. Konrad pouco fala. E o encontro é a oportunidade de Henrik expor sua percepção das circunstâncias enigmáticas que envolveram o desaparecimento do amigo e que aludem a Kriztina, sua esposa, morta oito anos depois da “fuga”.
O desaparecimento de Konrad foi precedido por detalhes que incomodam Henrik. A forte impressão de que o amigo esteve próximo de matá-lo enquanto caçavam. Não lhe sai da cabeça, ainda, o livro inusitado que sua esposa lia, na ocasião do último encontro que todos tiveram, e que sugere uma relação velada entre os dois.
Acompanhamos o discurso/desabafo de Henrik, que expõe cuidadosamente e quase sem interrupção, sua versão sobre os fatos. Trata-se de uma história cheia de rancor e ressentimentos. E que mostra a desilusão da juventude face ao desmoronamento das certezas, a carência de transparência dos seres e dos fatos. Uma espécie de quebra abrupta das certezas que tinha com relação ao outro.
Ao final do jantar, Henrik faz duas perguntas para seu hóspede. É tudo o que resta. À primeira, porém, Konrad diz somente: “isso eu não respondo”, a segunda ele retruca com vagar. Sua presença é, por fim, uma espécie de pretexto para que o velho general exorcize seus fantasmas, um acerto de contas mais consigo mesmo do que com o outro.
Dizem os estudiosos da obra de Sándor Márai que ele enfrentou, a partir de determinado momento de sua vida, profundo mal-estar existencial – veja que ele acabou tirando a própria vida aos 88 anos de idade! Dizem, ainda, que sua antipatia por “As brasas” teria como motivo o protagonista. Ambos teriam enfrentado profundas amarguras na alma durante longo período da existência.
O dado torna a obra (bela e lírica) ainda mais curiosa. Recomendo!