O que é a demência com corpos de Lewy diagnosticada em Milton Nascimento?

O cantor Milton Nascimento, 83 anos, foi diagnosticado com demência por corpos de Lewy (DCL) depois de a família notar mudanças no comportamento do cantor como repetição de histórias, lapsos de memórias e mudanças no apetite. Com os sintomas, o filho Augusto Nascimento procurou ajuda e Milton foi diagnosticado com DCL – há dois anos, ele já estava sendo monitorado por doença de Parkinson. Afinal, o que é a demência de corpos de Lewy?
O neurologista e chefe do departamento de transtornos cognitivos do Hospital de Base de Rio Preto, Fábio Nazaré, afirma que a DCL é a segunda forma mais comum de demência neurodegenerativa, atrás apenas da doença de Alzheimer. “Ela compartilha características clínicas com a doença de Parkinson e é causada pelo acúmulo intraneuronal de uma forma anormal da proteína alfa-sinucleína, envolvida na estabilização das sinapses (os pontos de comunicação entre os neurônios)”, explica.
A demência, de acordo com o neurologista, se caracteriza, principalmente, por sintomas cognitivos e comportamentais. “Em cerca de 70% dos casos, os sintomas cognitivos são os primeiros a se manifestar”, afirma Fabio Nazaré. Em 30% a 40% dos pacientes, a doença, segundo o médico, tem início com sintomas motores semelhantes aos da doença de Parkinson, “com o comprometimento cognitivo e comportamental surgindo ao longo do primeiro ano”, destaca.
Quando comparada com a doença de Alzheimer, a DCL tem alterações diferentes. “É comum haver flutuações marcantes na atenção, concentração e nível de consciência, com episódios de confusão mental aguda intercalados com períodos de relativa normalidade”, orienta. Fábio Nazaré afirma ainda que a DCL também traz déficits visuoespaciais – dificuldade do paciente em perceber onde os objetos estão no espaço, “o que pode comprometer atividades como dirigir, se orientar em ambientes familiares ou julgar distâncias corretamente”, afirma.
Outro sintoma típico da demência por corpos de Lewy (DCL) são alucinações visuais recorrentes, “geralmente detalhadas e realistas, como ver pessoas ou animais inexistentes”, alerta o médico. Além disso, segundo o neurologista, a pessoa portadora da DCL pode apresentar dificuldade para planejar, resolver problemas, tomar decisões e organizar tarefas, “o que compromete significativamente a funcionalidade no dia a dia.”
Diagnóstico
O diagnóstico da DCL é clínico com base nos sintomas, apesar de exames complementares serem importantes para confirmar a suspeita e excluir outras causas de demência. “Entre os principais exames utilizados estão a ressonância magnética do encéfalo, a polissonografia (que pode revelar distúrbio comportamental do sono REM, comum na DCL) e a cintilografia cerebral com TRODAT, que ajuda a identificar alterações nos núcleos da base, compatíveis com o parkinsonismo”, orienta Fábio Nazaré.
Como em outras doenças neurodegenerativas, o médico alerta que qualquer mudança no equilíbrio, na fala, na mobilidade ou no raciocínio são sintomas para que a família ou responsáveis leve para uma avaliação médica especializada. “Desatenção súbita, alucinações visuais e dificuldade de reconhecimento de objetos são sinais de alerta importantes, aumentando a suspeita diagnóstica de demência com corpos de Lewy”, orienta o neurologista.
O tratamento da demência com corpos de Lewy, segundo o neurologista, neurofisiologista clínico e professor da Faculdade de medicina FACERES Breno Gonçalves Medeiros se baseia em medicações que também podem ser utilizadas para tratamento de Alzheimer. “Tais medicações podem ajudar a melhorar a cognição e ‘frear’ a progressão da doença, como é o caso dos inibidores de colinesterase, como a donepezila, galantamina e rivastigmina”, cita.
De acordo com o professor, a Levodopa também é utilizada para aliviar os distúrbios de movimento pelo fato da DCL possuir mecanismos similares ao Parkinson, além de medicações para controlar alterações comportamentais e do sono conforme a necessidade. “Claro que não podemos esquecer da importância de todo um trabalho da equipe multidisciplinar, com fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, psicologia e manutenção da estimulação cognitiva do paciente”, reforça o médico.
Por se tratar de uma doença neurodegenerativa, o neurologista e neurofisiologista da FACERES afirma que o prognóstico é de progressão da doença e perda de funcionalidade, apesar dos tratamentos e terapias. “Claro que isso dependerá do paciente, de outros problemas de saúde e em que momento houve o diagnóstico, mas em torno de cinco anos podemos observar um quadro de demência severa, enquanto a expectativa de vida pode variar bastante, de cinco a 10 anos, pois envolve diversos fatores e cuidados”, afirma Breno Gonçalves.
O médico ressalta que é importante destacar, no entanto, a importância do suporte familiar junto de um acompanhamento multidisciplinar focado na melhora de qualidade de vida, “reduzindo intensidade de sintomas, permitindo uma maior autonomia e conforto para o paciente”, explica o especialista.

A neurologista do Austa Hospital Marina Mamede Pozo afirma que o perfil de mais vulnerabilidade para demências como a DCL é o estilo de vida sedentário, “tanto do corpo quanto da mente”, alerta. A pessoa mais vulnerável, segundo a especialista, é aquela que não se movimenta, não desafia o cérebro, tem uma alimentação sem muita nutrição, não cuida da saúde vascular e é socialmente isolada. “A solidão é um fator de risco subestimado. O contato social é um estímulo poderoso para o cérebro”, destaca.
E como proteger então o cérebro contra as doenças neurodegenerativas? “A proteção do cérebro é um projeto de vida que deve começar o mais cedo possível, mas nunca é tarde para iniciar”, ressalta Marina Mamede. Proteção que a médica resume em cinco pilares: movimentar o corpo, boa alimentação para o cérebro, desafios para a mente com novos aprendizados sempre, conectar com pessoas e cuidar da saúde integral. “Gerencie o estresse (meditação e ioga ajudam), durma bem e mantenha suas consultas médicas em dia. Trate a apneia do sono, um problema comum que prejudica a oxigenação cerebral”, afirma.
Para a especialista, o diagnóstico do cantor Milton Nascimento joga luz sobre uma doença ainda pouco conhecida, mas que afeta milhares de famílias. “A melhor forma de homenagear sua trajetória é usando sua história como um alerta para a importância dos cuidados com a saúde do nosso cérebro ao longo de toda a vida”, conclui.
Sintomas Motores: Pessoas com DCL frequentemente desenvolvem sintomas de Parkinson (tremores, rigidez muscular, movimentos lentos e uma postura instável).
No Alzheimer, esses sintomas geralmente aparecem apenas nos estágios muito avançados
Flutuações Cognitivas: É muito característico da DCL a pessoa ter momentos de lucidez e clareza mental que alternam bruscamente com períodos de confusão, sonolência excessiva e “ficar olhando para o vazio”. No Alzheimer, o declínio tende a ser mais constante.
Alucinações Visuais: Enquanto no Alzheimer as alucinações surgem mais tardiamente, na DCL elas são um sintoma precoce e marcante. A pessoa pode ver animais, crianças ou pessoas que não estão lá, de forma vívida e detalhada.
Distúrbio do Sono REM: Muitos pacientes com DCL têm um distúrbio em que “encenam” seus sonhos, podendo se debater, gritar ou cair da cama. Isso pode surgir anos antes dos outros sintomas.
Resumindo: pense no Alzheimer como uma doença que ataca primeiro a memória. A DCL, por sua vez, é uma doença que afeta primeiro a atenção, a percepção e o movimento.
Fonte: Neurologista do Austa Hospital Marina Mamede Pozo
Sedentarismo
Rotina automática e sem hobbies
Alimentação pobre em nutrição
Ignorar a saúde vascular
Isolamento social
Prevenção da DCL
Controle de Fatores de Risco Vascular: Atividade física regular
Estimulação Cognitiva: O cérebro precisa ser desafiado para se manter forte (aprender um novo idioma ou instrumento musical, jogos de raciocínio e quebra-cabeças)
Alimentação Saudável: A dieta do Mediterrâneo é a que tem mais evidências científicas de proteção (peixes, azeite de oliva, castanhas, grãos integrais, frutas e vegetais)
Sono de Qualidade: Dormir bem é essencial para a “limpeza” do cérebro
Fonte: Neurologista do Austa Hospital Marina Mamede Pozo