Trabalhamos mais do que nunca. Mesmo com os avanços tecnológicos, que prometiam reduzir a carga de trabalho, a rotina moderna parece ter seguido o caminho oposto. A facilidade de conexão e a velocidade da informação criaram um ritmo que raramente desacelera e que tem cobrado caro da saúde mental.
“Estamos vivendo uma época em que o trabalho se infiltrou em todas as áreas da vida. O celular virou uma extensão do expediente, e a mente não encontra pausa. Essa falta de limite é um dos principais gatilhos da exaustão emocional”, explica a psicóloga Rosana Reis.
A digitalização do trabalho trouxe flexibilidade, mas também criou uma expectativa de disponibilidade permanente. “Mensagens fora de hora, e-mails urgentes e demandas que não esperam o próximo dia útil tornaram-se comuns. Com isso, os limites entre o profissional e o pessoal se diluíram e, muitas vezes, o descanso vira luxo”, enumera Isabela Dias, psicóloga clínica e especialista em comportamento organizacional.
Produtividade sem pausa
A tecnologia tornou as tarefas mais rápidas, mas também elevou as metas de desempenho. A eficiência aumentou, mas as horas livres não. “A sensação é de que, quanto mais fazemos, mais parece que falta fazer. É um ciclo que alimenta a culpa e a insatisfação, mesmo entre profissionais altamente produtivos”, observa Isabela.
Essa pressão constante é reforçada pela cultura da superentrega, em que a dedicação excessiva é vista como sinal de valor. Em muitos ambientes, trabalhar demais ainda é sinônimo de sucesso — uma crença que tem levado a casos crescentes de burnout, ansiedade e depressão.
Segundo o Ministério da Previdência Social, o Brasil registrou 472 mil afastamentos por transtornos mentais em 2024, um aumento de 68% em relação ao ano anterior. “Estamos adoecendo coletivamente, e muitas vezes sem perceber. O corpo e a mente enviam sinais, mas insistimos em ignorá-los”, alerta Rosana.
Quando o corpo pede socorro
Os sinais da exaustão são sutis no início: cansaço constante, irritabilidade, insônia, perda de prazer nas atividades e dificuldade de concentração. Com o tempo, surgem sintomas físicos como dores de cabeça, palpitações, queda de imunidade e tensão muscular.
“A exaustão emocional não vem só do excesso de tarefas, mas do esforço de tentar manter o controle sobre tudo. Essa busca por desempenho perfeito gera um esgotamento silencioso, que afeta a autoestima e o equilíbrio emocional”, explica Isabela.
Em casa, o cenário não é mais leve. A especialista ressalta que a rotina hiperconectada faz com que as pausas sejam substituídas por novas tarefas. “Enquanto almoçamos, acompanhamos o noticiário, respondemos mensagens e atualizamos redes sociais. A mente segue em estado de alerta, sem tempo para a contemplação”, afirma.
Entre o propósito e o limite
A ideia de que o trabalho deve ser uma paixão também contribui para o excesso. Muitos profissionais acreditam que precisam estar sempre motivados e disponíveis. “Nesses momentos, o entusiasmo se transforma em exigência e o prazer cede espaço à cobrança interna”, orienta Rosana. “Buscar propósito no trabalho é importante, mas não podemos confundir propósito com abnegação. Ter limites é tão essencial quanto ter metas”, reforça a psicóloga.
Além disso, a precarização das relações de trabalho e o avanço da automação geram insegurança e sobrecarga. Em muitas empresas, menos pessoas fazem mais, acumulando funções e responsabilidades. “Na chamada economia gig, trabalhadores por projeto vivem a incerteza constante e a necessidade de aceitar múltiplas demandas para manter a renda”, alerta Isabela.
Reaprender a pausar
Combater a exaustão começa pelo reconhecimento. Admitir que há um desequilíbrio é o primeiro passo. “Falar sobre o cansaço não é sinal de fraqueza, é sinal de consciência. A pausa precisa voltar a ser vista como parte do processo produtivo, e não como perda de tempo”, diz Isabela.
Práticas simples podem ajudar: estabelecer horários fixos para encerrar o trabalho, reduzir o tempo de tela, cultivar momentos de silêncio e reservar um espaço do dia para o que realmente traz prazer e descanso. “Cuidar da saúde mental é cuidar da vida. O trabalho é parte dela, mas não pode ocupá-la por inteiro”, conclui Rosana.
