Tamanho da fonte

A cidade em traços e tintas

LifestyleA cidade em traços e tintas
Espontânea, emotiva e cheia de histórias: a arte popular ocupa os espaços urbanos de Rio Preto com força e autenticidade 

Sobre o autor

Em meio ao concreto e ao cotidiano apressado, os muros de Rio Preto revelam uma cidade que respira arte. Das pinceladas vibrantes aos traços carregados de significado, obras de artistas locais transformam paredes comuns em verdadeiras galerias a céu aberto. A arte urbana, popular por essência, ganha cada vez mais força e espalha cultura, identidade e beleza por todos os cantos da cidade.

Mais que estética, os murais urbanos carregam mensagens, memórias e resistência. E quem passa por esses pontos dificilmente sai ileso: a cidade vira tela, e a arte, um diálogo aberto com todos. Além de dar voz aos artistas locais, as obras conectam a população com histórias, causas e sentimentos. Nesta reportagem, apresentamos artistas que vêm deixando suas marcas nas ruas e no coração de quem passa.

Pecks: um dos pioneiros do graffiti na cidade

Com uma trajetória que começou em 1994, Wanderson José Sereni, mais conhecido como Pecks, é um dos precursores da arte urbana em Rio Preto. Há mais de 30 anos, ele colore muros e transforma espaços públicos com personagens vibrantes e expressivos, deixando sua marca em cada canto da cidade.

Seu estilo atual está focado em personagens femininas com traços realistas. As inspirações vêm do cotidiano. “Tudo que vejo ao meu redor me inspira, como pessoas, animais”, conta o artista, grafiteiro e muralista.

Pecks calcula que já tenha feito mais de 10 mil obras, entre murais, painéis e desenhos em escolas e espaços urbanos. São tantas criações que fica difícil escolher uma só, mas ele destaca com carinho um trabalho recente feito para o Clube Amigos dos Deficientes (CAD), que considera um dos mais especiais.

Quem quiser ver suas obras pode dar um passeio pelo bairro São Deocleciano, onde vários murais dão vida às ruas. Também é possível encontrar trabalhos seus nas escolas “Guiomar Maia” e “Dr. Lotf João Bassitt”, entre outros pontos espalhados pela cidade.

Edson Ramos: cores do mundo, raízes em Rio Preto

Com mais de duas décadas dedicadas à arte, o grafiteiro e artista Edson Ramos é um nome que transcende fronteiras. Começou a grafitar em 2002 e, há seis anos, vive exclusivamente da arte, uma trajetória que o levou a pintar murais não só em diversas cidades do Brasil, mas também em países como Estados Unidos, Portugal, Bolívia, Chile, Argentina e Peru.

Seu estilo é tão livre quanto sua criatividade: mistura spray com aquarela, colagem e o que mais a inspiração permitir. “Não tenho um nome para o meu estilo, mas gosto muito da aquarela. Minhas referências são aleatórias, como Jean-Michel Basquiatt, Andy Warhol, Keith Haring, Takashi Murakami”, conta.

Edson cria todos os dias, nem sempre com a intenção de expor, e, por isso, nem consegue estimar o número de obras produzidas. Mas uma delas ele guarda com carinho especial: uma arte marcante feita para o iFood, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em Rio Preto, é na zona norte que se concentra a maioria de seus trabalhos. Uma das pinturas que mais gosta pode ser vista na Praça da avenida Brigadeiro Faria Lima, onde coloriu a paisagem com pássaros.

 

Flavio Vanci: entre o caos e a beleza, uma arte que fala com a comunidade

Foi em 2011, ao entrar na faculdade de Design Gráfico, que Flavio Vanci descobriu o universo do graffiti. Desde então, nunca mais parou. Com 14 anos de trajetória, ele se consolidou como artista muralista, com obras espalhadas por Rio Preto, outras cidades do Brasil e até fora do país, incluindo Chile, Irlanda, Estados Unidos e Japão.

Seu estilo é difícil de rotular e ele prefere assim. Sua arte já passou por cartoon, realismo, surrealismo, pop art. Suas obras são marcadas pela presença de personagens autorais, principalmente figuras femininas envolvidas em composições simbólicas, com elementos como a cor amarela, narizes machucados e curativos — metáforas visuais sobre os desafios e a força de continuar. Também usa com frequência a imagem do tucano, ave que, para ele, representa a dualidade entre o belo e o caótico.

Vanci já perdeu a conta de quantos murais pintou. São muitos, principalmente a partir de 2017, quando passou a se dedicar 100% à arte. Entre os trabalhos mais marcantes, ele destaca dois: um mural feito com a participação de crianças no projeto social Céu das Artes, no bairro Nova Esperança, em Rio Preto, e outro pintado com seu filho ainda pequeno, na cidade de Lins, onde nasceu.

Em Rio Preto, suas obras podem ser vistas em diferentes pontos da cidade: no mural da CPFL, na avenida Brigadeiro Faria Lima; na General Glicério (em frente à Igreja Universal); na rotatória próxima ao Riopreto Shopping; e, principalmente, no bairro Nova Esperança, onde realizou diversas ações sociais com arte. A região central e bairros como São Manoel e Jardim Maracanã também guardam registros de sua criatividade e sensibilidade. Um dos grandes destaques é o painel no prédio do colégio Intelectus, na avenida Bady Bassitt, uma obra imponente que atrai olhares e reforça sua identidade visual.

Le Asap e Dionisio Arte: educação e arte se encontram nos murais do Colégio Invictus

Dois grandes murais transformaram a fachada do Colégio Invictus, na avenida Alberto Andaló, em um verdadeiro cartão-postal de Rio Preto. As obras, assinadas pelo artista Leandro, mais conhecido como Le Asap,, foram produzidas pela empresa Dionísio Arte e e revelam, em tons vibrantes, o poder da educação e da imaginação. De um lado, uma menina flutua enquanto lê um livro; do outro, um menino eleva a sua mão como quem traça seu destino. As imagens, captadas por Sartorni Drones, mostram como a arte urbana pode dialogar com o cotidiano escolar e despertar sonhos em quem passa pela região movimentada da cidade.

Profeta das Cores: o artista que fez da cidade sua tela

Há mais de 50 anos, um artista singular caminha pelas ruas de Rio Preto deixando um rastro de cor, sentimento e reflexão. Antônio da Silva Nascimento, mais conhecido como Profeta das Cores, é um dos nomes mais emblemáticos da arte popular da cidade. Com pinceladas livres e traços intensos, ele fez dos muros seu principal suporte, e da rua, seu ateliê.

Um de seus murais mais conhecidos está no Centro de Rio Preto, na esquina da Saldanha Marinho com a Coronel Spínola de Castro. O painel, que cobre toda a fachada de um imóvel, começou a ser pintado ainda nos anos 1980 e nunca foi realmente finalizado. É uma obra viva, em constante transformação, com figuras humanas estilizadas, formas orgânicas e uma explosão de cores que convida quem passa a parar, observar e sentir.

O estilo do Profeta escapa de rótulos, mas remete ao expressionismo ingênuo: intenso, espontâneo, simbólico. Suas obras carregam narrativas emocionais e espirituais, com um traço visceral que mistura crítica social, fé e humanidade. Ele pinta o que vê, o que sente e o que sonha — usando tintas doadas por amigos, superfícies reaproveitadas e uma criatividade que não conhece limites.

Hoje com 83 anos, Profeta encontrou na arte uma forma de resistir e existir. Ele é protagonista do premiado documentário Profeta das Cores (1995), dirigido por Leopoldo Nunes, e participou de diversas exposições ao longo dos anos, como a mostra Cidade Inquieta, no Sesc, em 2015.

Juny KP!: a arte que encontra a rua e provoca o mundo

juny kp! é artista, educador e curador. Diretor criativo da Casa de Criar, tem a rua como seu principal território de expressão. Sua arte propõe diálogos e embates com o meio urbano, questionando verdades e provocando reflexões. Tradutor e especialista em Cultura e Artes pela Unesp e mestre pelo IAU/USP. Como educador, atua como ponte entre a teoria e a prática, incentivando o pensamento crítico e a criação consciente. Já como curador e galerista, assume um olhar sensível, atento ao presente e sintonizado com os caminhos da arte contemporânea e futura.

Sem publicações!

Publicações somente aos domingos

Publicações

Não encontramos resultados para sua busca.

Revista digital