O tempo, a arte e o homem em cena

Com o olhar inquieto de quem conta histórias, Paulo Betti sobe ao palco do teatro Waldemar de Oliveira Verdi, do Centro Cultural Sesi Rio Preto, para encerrar a última noite de apresentações da peça “Autobiografia Autorizada”. Dirigida pela sua filha Júlia Betti, o monólogo retrata os caminhos pessoais e profissionais de Paulo até se tornar um dos rostos mais conhecidos pelo público brasileiro. O espetáculo acontece neste domingo, 19, às 19h, com entrada gratuita. Os ingressos estão disponíveis no site Meu Sesi.
Nascido em Rafard (SP) e criado em Sorocaba, Paulo Betti nunca se imaginou seguindo a vida artística — seu sonho, na realidade, era ser médico. Entretanto, a arte sempre esteve presente em pequenos momentos de sua vida: nas brincadeiras com teatrinhos de bonecos ou recitando passagens bíblicas.
Sua estreia na carreira televisiva começa em 1979, interpretando Patrício, na novela “Como salvar meu casamento”, transmitida pela extinta TV Tupi. A partir disso, participou de outras obras na TV, entre elas “Tieta” e “Império”. Sempre versátil, alternou entre personagens cômicos, dramáticos e intensos.
Atualmente vivendo no Rio de Janeiro com os filhos João Betti, Juliana Betti e Mariana Betti, Paulo mantém sua vida de forma tranquila e discreta. Longe das novelas, ele segue focado no teatro. “É o lugar onde eu posso dizer que é o meu lugar, porque é onde eu me sinto mais em casa.”
Além da carreira artística, ele se dedica a causas sociais e políticas, sempre se posicionando claramente sobre temas que considera essenciais para o País. Contudo, nem sempre foi assim, o pontapé inicial que o levou a falar sobre política veio após interpretar o personagem soldado Lamarca, no filme de mesmo nome. “Embora eu não tenha nada a ver com armas e com luta armada, eu talvez tivesse uma inclinação política menor ou menos acentuada se eu não tivesse feito o soldado Lamarca”, diz.
Curioso e apaixonado pela profissão, Paulo Betti viaja pelo Brasil desde 2015 com sua peça “Autobiografia Autorizada”, que na última semana ficou em cartaz em Rio Preto, deixando para o público seus conhecimentos de vida e arte de um jeito leve e espontâneo.
Confira a entrevista:
Bem-Estar - Como surgiu a ideia de atuar? Foi uma escolha por paixão ou acabou acontecendo por acaso?
Paulo Betti - Eu comecei muito cedo, com 14 ou 15 anos, no Teatro Amador em Sorocaba, onde tinha um grande movimento de teatro. Sempre admirei o teatro, assistia a muitas peças de teatro de circo também, mas nunca isso era algo identificado como uma profissão futura; era só mesmo uma um gosto, algo que eu gostava muito. E eu só fui realmente achar que eu poderia ir para o teatro de uma forma mais séria em 1971, quando ganhei o prêmio de melhor ator amador do estado de São Paulo. Então, eu decidi ir para a Escola de Arte Dramática. Eu nunca tive o pensamento assim: “Ah, eu sonho ser ator.” Nunca tive esse sonho.
BE – Você tem um currículo com mais de 20 novelas e diversos filmes e peças teatrais. Por qual área você possui mais paixão?
Paulo Betti - O grande ator Paulo Autran costumava dizer que “o teatro é do ator, o cinema é do diretor e a televisão é do patrocinador.” O teatro é o lugar onde eu fico mais à vontade, porque é mais meu. A televisão é um lugar muito bom. Eu gosto de trabalhar de ator em qualquer lugar, no cinema, no rádio, eu gosto de atuar. Porém, o teatro é o lugar onde eu posso dizer que é o meu lugar, porque é onde eu me sinto mais em casa.
BE - Qual sua rotina fora dos palcos ou das câmeras, quais seus hobbies?
Paulo Betti - Fora dos palcos, eu gosto muito de assistir novela; eu vou ao cinema e leio muito, mas uma das coisas que eu mais gosto de fazer é andar de bicicleta.
BE - Lidar com o público, lidar com a mídia é muito difícil para algumas pessoas. Como você lida com a exposição?
Paulo Betti - A exposição é uma “faca de dois legumes”, como dizia o diretor do Corinthians, Vicente Matheus. Ao mesmo tempo que é positivo – adoro ser reconhecido, eu me ofereço para tirar fotos com as pessoas que vêm até mim, porque isso traz uma certa alegria, uma cor na vida da pessoa naquele momento. Você tirar uma foto, mandar um recado para a mãe de alguém, acho isso tudo muito agradável. Tem muitas vantagens também de você ser famoso. Por outro lado, é sempre muito perigoso, você diz algo que não era para ser dito e vira uma polêmica equivocada. Eu já tive alguns momentos nos quais fui polêmico no ponto de vista do equívoco mesmo. Algumas vezes, é pela má-fé de quem estava lendo de forma agressiva, outras vezes por erros e deslizes meus.
BE - Em seus 50 anos de carreira, qual conselho você daria para o jovem Paulo Betti?
Paulo Betti - Eu diria para mim mesmo jovem para relaxar um pouco. Mas, por outro lado, também, eu diria que continue sendo do jeito que você é, muito esforçado e sempre preocupado com seus pais e não querendo dar trabalho para os seus pais.
BE - Em uma época de rapidez, na qual todos querem sempre algo, existe algum sonho que você ainda não realizou?
Paulo Betti - Eu não costumo sonhar muito, embora tenha uma biografia minha que se chama “Na Carreira de um Sonhador”, escrita pela Tetê Ribeiro. Penso que é um título muito bonito, mas eu sempre fui muito pé no chão. Nunca sonhei em trabalhar na Globo, isso foi um acaso. Eu até acho meio estranho quando falam assim: corra atrás do seu sonho. Meu sonho era pagar as contas e não perturbar meus pais.
BE - Quais as expectativas para as apresentações no Sesi Rio Preto?
Paulo Betti - A expectativa de me apresentar em Rio Preto é muito boa. Porque é uma cidade que tem um Festival Internacional de Teatro, certamente é estimulante para quem faz teatro. Eu fico ansioso para me apresentar numa cidade onde existe esse festival e curioso para ver o público. Claramente é um público que gosta, que frequenta teatro.
BE - Como um ator trabalhando há muitos anos na área, como você vê a nova geração de atores que está nascendo?
Paulo Betti - Sempre vem uma boa leva de bons atores e atrizes. Eu gosto dos que se comprometem, dos que participam social e politicamente, dos que se expõem do ponto de vista de dar suas opiniões e querer transformar o mundo. Eu gosto desses. Eu acho que o momento, pelo menos na televisão, é muito bom para atores negros. Principalmente a televisão, que agora tem uma preocupação grande com a diversidade. Isso abre muita oportunidade para jovens, e atores e atrizes negros, não só jovens. E acho isso uma coisa muito importante e relevante que está acontecendo nesse momento. Você vê mais diversidade nas novelas.
BE - Aos 73 anos, 50 de carreira. Qual sua maior realização até o momento?
Paulo Betti - Tem algumas coisas que eu gosto muito e que me orgulho de uma certa maneira de ter feito parte. A Casa da Gávea, no Rio de Janeiro, uma Associação Cultural Sem Fins Lucrativos; o Quilombinho, em Sorocaba, que eu também tive alguma participação; a fundação do Departamento de Teatro, da Universidade de Campinas, fui um dos fundadores. Eu me orgulho muito disso. Fora o trabalho que eu estou fazendo agora, viajando todo Brasil com uma van, e fazendo teatro e debates e levando teatro para os lugares mais remotos. Eu me orgulho muito dessas coisas, são as minhas realizações.
BE - Tem projetos para 2026? Novas peças, filmes ou novelas?
Paulo Betti - Eu tenho três filmes para estrear. Uma coprodução Brasil-Itália, um filme com o diretor Júlio Bressani e um outro filme que eu rodei em Brasília. Fora isso, quero fazer uma continuação da peça “Autobiografia Autorizada”, que vai se chamar “Tome Nota”.
(Colaborou Gabriela Costa)