Tamanho da fonte

O diretor que filma sentimentos

EntrevistaO diretor que filma sentimentos
Entre prêmios e parcerias com ícones como Eva Vilma, Nicette Bruno e Moacyr Franco, o diretor Alexandre Estevanato constrói uma filmografia que enxerga beleza na dor e grandeza nas pequenas histórias
Imagem da matéria
O diretor Alexandre Estevanato

Sobre o autor

No interior paulista, onde as tardes parecem guardar o tempo e as histórias cabem em um abraço, Alexandre Estevanato faz do cinema uma forma de fé. Nascido em Marília e radicado em Rio Preto, ele transformou a própria insatisfação profissional em ponto de virada — um salto da rotina de gerente de loja para o set de filmagem. Desde então, constrói uma trajetória marcada por sensibilidade e persistência, guiado pela ideia de que o cinema pode ser um gesto de amor e um exercício de escuta.

À frente da produtora Estevacine, fundada em Rio Preto, Estevanato soma 23 produções entre curtas e longas-metragens, muitos deles premiados dentro e fora do País. São obras que abordam temas delicados e universais — o Alzheimer, a depressão, a saudade, o envelhecimento — sempre com um olhar afetuoso para o humano e para o invisível. Não por acaso, ele batizou seu futuro projeto de “Desexistir”, um curta que discute justamente a invisibilidade das minorias sociais.

Entre seus filmes, destacam-se “Minha Mãe, Minha Filha” e “Meu Superman”, produções que tratam da doença de Alzheimer sob ângulos diferentes e contaram com nomes consagrados da dramaturgia brasileira, como Eva Vilma, Helena Ranaldi e Moacyr Franco. As histórias, impregnadas de emoção e verossimilhança, nasceram de experiências pessoais e se transformaram em ferramentas de empatia — tanto para quem faz quanto para quem assiste.

Mas o cinema de Estevanato não se sustenta apenas pela emoção. Ele também é fruto de resistência e criatividade. Sem depender dos grandes eixos de produção, o diretor encontrou no interior um território fértil para contar histórias. Suas produções nasceram de editais locais, rifas, vaquinhas e da colaboração entre amigos e artistas. “Se não tem edital, a gente dá um jeito. O importante é fazer o filme existir”, costuma dizer.

Com o mesmo entusiasmo que o levou a filmar com gigantes como Nicette Bruno e Milton Gonçalves, Estevanato segue olhando para o futuro. Seu cinema continua sendo feito de criatividade, emoção e esperança — um lembrete de que, mesmo longe dos grandes centros, ainda há quem acredite na força das boas histórias.

A seguir, o cineasta fala sobre sua trajetória, os bastidores de suas produções e a missão que move seu trabalho: emocionar, informar e provocar reflexão — porque, nas palavras dele, “a vida real é muito fria, e o cinema é onde a gente pode voltar a sentir”.

Confira a entrevista:

BE - Como você começou a fazer cinema?

Estevanato - Nasci e vivi em Marília, onde trabalhei em lojas de comércio durante muito tempo. Recém-formado em publicidade e propaganda, fiz um curso de aprimoramento, no Rio de Janeiro, pelo Sineduc, que é uma escola de cinema e educação e depois venho para São José do Rio Preto, para fazer mestrado. Começo como aluno especial do Ibilce e volto a trabalhar no comércio. Após um tempo, me torno gerente de uma loja. Já muito cansado, muito insatisfeito com aquela profissão – que é muito digna, mas que já não fazia mais parte do meu gosto, eu me inscrevo e ganho meu primeiro prêmio para fazer o meu primeiro filme aqui em São José do Rio Preto, que foi o prêmio Nelson Seixas. Então, eu faço meu primeiro curta-metragem, o "Vidas Eternas".

Quando eu ganhei esse prêmio, eu pedi demissão da loja que eu trabalhava e pensei em viver de cinema. Meu primeiro filme, “Vidas Eternas” é um drama que fala sobre os pracinhas rio-pretenses que foram combater na Segunda Guerra Mundial. Porém, esse primeiro filme não rendeu nada, não ganhou nenhum prêmio, não entrou em festivais. Isso foi uma porta para a frustração.

Como eu sou brasileiro e não desisto nunca, continuei, e foi quando eu consegui rodar o meu primeiro longa-metragem: “Quando o céu era azul”, que eu rodei lá na minha cidade natal, em Marília. Este filme já foi diferente. Ele foi selecionado para o Gramado Cine Vídeo, um braço do Festival de Cinema de Gramado, só para filmes digitais. O filme foi premiado lá e foi convidado para o Festival de Filmes Brasileiros de Chicago. Isso abriu várias portas, para minha produtora e para mim como diretor.

BE - Quantos filmes já fez, entre longas e curta-metragens?

Estevanato - São 19 anos de produção. Eu chego a Rio Preto em 2005, começo a produzir ali em 2006, 2007. A Estevacine, que é a nossa produtora, tem atualmente 23 filmes no currículo. E eu falo isso com muito orgulho, bastante humildade, claro, aprendendo sempre. São 23 projetos concluídos. São 21 curtas-metragens e dois longas-metragens que renderam premiações, indicações e abriram muitas portas para mim no quesito visibilidade no cinema nacional.

BE - Você já gravou com grandes nomes da dramaturgia, como Eva Vilma, Nicete Bruno, Helena Ranaldi, Milton Gonçalves, Moacyr Franco, entre outros. Como é dirigir esse pessoal e o que você aprendeu com eles?

Estevanato - De alguns anos para cá, a gente decidiu que nós queríamos dar um up nas produções da Estevacine Filmes, trazer realmente personalidades famosas para agregar mais valor de visualização para os nossos filmes, para despertar mais o interesse do público. E isso deu muito certo.

O primeiro famoso que nós trouxemos para um dos nossos filmes foi a querida e amada Nicette Bruno. No finalzinho de 2016, ela vem a Rio Preto e passa uma diária inteira com a gente – o que pareceu que foi um mês. Ela com todo carisma, com toda a graça, só nos ensinou. Então, confesso que deu aquele friozinho na barriga de dirigir Nicette Bruno, mas é muita pretensão também dizer que eu dirigi Nicette Bruno. Ela chegou com o roteiro pronto, com as falas na ponta da língua, ela já sabia o que fazer. Eu só direcionei e a Nicette fez o resto. Esse filme se chama Luiz e fala sobre valores familiares, sentimentos que a gente às vezes deixa um pouquinho de lado. Esse filme é um resgate a sentimentos importantes, como o abraço no nosso pai, na nossa mãe, no nosso ente querido que está um pouquinho longe. É um filme de resgate.

Depois, foi só alegria, porque a gente também convidou Eva Vilma e Helena Ranaldi para protagonizarem o nosso primeiro filme que falava sobre a doença de Alzheimer e elas aceitaram. “Minha mãe, minha filha”, gravado dentro da minha casa, em 2017. Eva Vilma e Helena Ranaldi passaram quatro dias aqui dentro da nossa casa gravando esse filme que conta a história de uma mãe que desenvolveu a doença de Alzheimer e é cuidada pela filha, que abdicou da vida para ter todos os cuidados com a mãe, o que é muito comum. Esse filme participou do festival de Gramado, foi selecionado em mais de 80 festivais, ganhou mais de 40 prêmios. Foi uma sensação maravilhosa ter produzido esse filme com a diva Eva Vilma. Só aprendi com ela.

Milton Gonçalves também foi outro presente que a gente ganhou. Entreguei o roteiro nas mãos dele e ele com aquela voz maravilhosa disse: “Gostei de você, gostei do roteiro, vou fazer o filme”. O cachê que o Milton Gonçalves nos pediu, ele já direcionou para que eu pagasse direto para uma instituição de caridade do Rio de Janeiro. Isso foi extremamente emocionante para a gente, a humildade que ele trouxe, ele era um gentleman.

BE - Neste ano, você gravou com Moacyr Franco. Como está a exibição do filme?

Estevanato - Recentemente, Moacir Franco esteve aqui em São José do Rio Preto para protagonizar o nosso novo filme que fala novamente sobre a doença de Alzheimer, “Meu Superman”. Também trouxemos Emílio Moreira, que é um outro ator versátil que trouxe vida para o nosso filme e essa dobradinha deu maravilhosamente bem.

“Meu Superman” conta a história de um homem que é acometido pelo Alzheimer e é cuidado pelo filho, o que é menos comum, pois normalmente são mulheres que são colocadas no papel de cuidadoras.

Nós estamos viajando bastante com o curta-metragem. Já estivemos no Sesc de Catanduva, de São Carlos. O filme está sendo selecionado para festivais de cinema, mas mais do que isso, nós estamos sendo contratados para ir exibir o filme no Brasil inteiro. Londrina, no Paraná, já contratou uma exibição e eu fui até lá presencialmente e exibi o filme em um cinema de rua para mais de 400 pessoas. Foi maravilhoso. Campinas me levou também para exibir o filme lá no Dom Pedro Shopping. Eu vou fazer uma exibição no Retiro dos Artistas, no Rio de Janeiro. Estou como diretor convidado do Festival de Cinema de Canedo, lá em Senador Canedo, do ladinho de Goiânia.

BE - Nos curtas “Minha mãe, minha filha” e “Meu Superman”, você aborda o Alzheimer. Como o tema toca você pessoalmente?

Estevanato - No nosso primeiro filme sobre o tema, “Minha Mãe e Minha Filha”, de 2018, o roteiro é da Cintia Sumitani Estevanato, minha esposa. Ela me conta que essa história conta com relatos que ela ouvia da minha mãe, que cuidava da minha avó, e da mãe dela, que cuidava da própria mãe.

Então, a minha esposa – ouvindo esses relatos de pessoas próximas a nós – foi se municiando e aquele nó na garganta que ela ficava como pessoa, ele foi expurgado em forma de um roteiro - de um roteiro belíssimo, aliás, que deu origem ao filme “Minha Mãe e Minha Filha”. Quando eu dirigi esse filme e ele ficou pronto, e eu chorava assistindo ao filme. Eu estou contando isso pela primeira vez em público. Ficou realmente uma obra emocionante e real, porque o filme conta histórias de pessoas reais na tela.

Ao longo do tempo, nós fomos fazendo filmes com outras temáticas: depressão, suicídio e superação, envelhecimento com qualidade de vida, câncer de mama, até que eu tive um insight de fazer outro filme que fala sobre Alzheimer: dessa vez num homem e que o cuidador fosse um homem. Isso porque, normalmente, são as mulheres que são colocadas nos papéis de cuidadoras.

Então, “Meu Superman” é uma contemplação ao masculino, ao homem que fica, ao homem que cuida. Então, inverti o eixo. No primeiro filme, uma mulher acometida pelo Alzheimer é cuidada pela filha. Agora, no segundo filme, um homem que desenvolve Alzheimer e é cuidado pelo filho. Então está aí o nome do filme, “Meu Superman”. Quem que é o herói do outro ali? Esse filho tem na imagem do pai um herói. Todo filho tem na imagem do pai um herói. Não é verdade? E agora esse pai também tem na imagem do filho, esse Superman, esse super-herói que cuida dele incondicionalmente até o fim da vida.

BE - Seus filmes sempre trazem uma mensagem profunda, como temas como saudade, depressão, Alzheimer. Seu objetivo é também levar o público a refletir?

Estevanato - Uma vez perguntaram para mim: “Estevanato, para que que você faz cinema?” Eu falei para alimentar os meus sonhos e os sonhos das pessoas. Penso que os filmes da Estevacine têm a missão de alimentar os sonhos de quem assiste, mas mais do que isso, os nossos filmes informam com dados estatísticos que pesquisamos antes das gravações. Eles entretêm, porque são filmes muito bem feitos, a minha equipe técnica sempre é escolhida a dedo e são profissionais maravilhosos que a gente traz para as nossas produções. A minha direção é muito séria, eu procuro não deixar nada para trás.

Penso que os nossos filmes tendem a emocionar, pois a vida real é muito fria. Na vida real, a gente acorda cedo, levanta, vai trabalhar, tem que almoçar, trabalha mais um pouco, vai para casa, está cansado e vai dormir. A emoção fica sempre em segundo plano.

Quando a gente se propõe a assistir um filme na tela, sendo um filme de curta-metragem feito por uma produtora aqui do interior, eu quero que as pessoas tenham aqueles 15, 20 minutos para se deleitar, para se entregar ao filme e se elas conseguirem sair das salas de cinema reflexivas, para mim a missão está cumprida.

BE - Tem alguma história curiosa de bastidores das gravações?

Estevanato - Tem uma outra história que é muito curiosa. Nós estávamos gravando em um sítio em Uchoa, com a querida Nicete Bruno. Era uma diária e essa cena aconteceu por volta das 17h, que é a hora que os mosquitinhos começam a rondar as pessoas. Imagine a situação: final de tarde, sítio, mosquitos, muitos mosquitos. E a cena começou a quase ficar inviável de se gravar. Pedi um inseticida e eu, carinhosamente, borrifei (muito inseticida) sobre a Nicete Bruno. A equipe ficou sem entender o que estava acontecendo, diziam que era demais, mas com jeitinho lembro que eu disse: “Mas ele tem cheirinho de eucalipto, está tudo certo” (risos). A Nicete Bruno fingiu que nada aconteceu, os mosquitos foram todos embora e a cena ficou maravilhosa.

BE - Na sua trajetória de filmes algum ficou sendo seu mais querido, seja pelo processo de gravação ou pelo enredo da história?

Estevanato - Acho que todo filme que a gente faz, acaba sendo ali o nosso queridinho. “Luiz” foi um filme muito especial e a gente costuma dizer que ele é a cereja do bolo. Ele foi muito premiado em muitos festivais nacionais e internacionais. Então, a gente tem um carinho especial. Recentemente, nós produzimos “Memórias de Pelúcia”. Minha filha, Laís Maria, estreou como atriz. Ela protagoniza o filme junto do Roberto Borenstein, que é um ator de São Paulo, queridíssimo também. Os dois interpretam avô e neta. É um curta de oito minutos, uma única locação, são os dois sentadinhos num banco de praça. É um filme muito lúdico, colorido e com um diálogo muito lindo, muito sublime, entre essa neta e esse avô. É um filme que fala sobre a infância e o etarismo, sobre o início da vida e sobre o fim da vida. Esse filme foi selecionado no Festival da Infância e Juventude da Colômbia, em Bogotá, mês passado.

BE - Muitas pessoas imaginam que os filmes ficam muito no eixo Rio-São Paulo. Como é fazer cinema aqui no interior e buscar verbas para poder rodar os filmes?

Estevanato - O eixo Rio São Paulo é coisa do passado. Claro que existe ali um eixo da TV nacional, mas as produções interioranas estão acontecendo pelo Brasil todo, de norte a sul. O Nordeste, por exemplo, é extremamente forte na sua produção de cinema. Os pequenos editais, médios editais, lei Paulo Gustavo, lei Aldir Blanc e editais municipais colaboram muito para que as pessoas comecem a produzir e para que realizadores mais experientes também possam produzir suas obras.

Eu fiz um cálculo recente: nós temos 23 filmes e 12 deles foram feitos sem edital nenhum e 11 filmes com editais pequenos ou médios. Então, é muito comum a gente pedir para que o poder público olhe para a classe do audiovisual com mais carinho e com mais seriedade. Mas eu não posso ficar me calcando nisso; não posso ficar me justificando, se eu não ganhar um edital, eu não vou conseguir produzir. Não! Eu vou produzir! Seja com incentivos privados, seja com recursos próprios, quando é possível, ou com vaquinha virtual. Nós já fizemos produções na Estevacine Filmes vendendo rifa. Nós trouxemos Milton Gonçalves a Rio Preto por meio de uma rifa que nós fizemos. Então, eu não fico reclamando ao poder público. Quando tem, quando é possível, eu acho maravilhoso. Quando não tem, nós damos um jeito.

Nós já fizemos vaquinha virtual para fazer o filme “Minha Mãe e Minha Filha” e fizemos rifa para trazer Milton Gonçalves para cá. Então, a gente consegue outros recursos, mas nós fazemos os filmes. Mas é claro que quando esses editais nos beneficiam, a gente também agradece muito e aí faz o trabalho com um pouco mais de tranquilidade.

BE - Qual a importância dos festivais e das premiações para quem produz um curta-metragem?

Estevanato - Os festivais de cinema e as premiações trazem muito prestígio para os nossos filmes, para os nossos profissionais e, na verdade, são selos de qualidade. Em 2024, no Festival de Cinema com Farinha, na Paraíba, ganhamos seis prêmios com um dos nossos filmes. Isso traz muita alegria, traz muito prestígio para nós, abre portas em outros festivais, eu recebo convites para ser jurado de outros festivais quando acontecem essas coisas. Penso que é uma satisfação muito grande para os profissionais que trabalham em um filme nosso saber que o filme foi selecionado em determinado festival, que ganhou uma premiação em outro festival. É claro, não posso ser demagogo, é muito bom também quando os nossos filmes ganham premiações financeiras nos festivais, porque além de alimentar a alma, alimenta os nossos bolsos.

BE - Como assistir aos seus filmes?

Estevanato - As produções da Estevacine Filmes estão quase todas disponíveis no nosso canal do YouTube @estevacine e lá você vai encontrar muito conteúdo. Quase todos os nossos curtas e longas já estão disponíveis lá. Apenas os lançamentos que não estão, pois eles ficam reservados a contratações e festivais durante um tempo. Inclusive, quem tem uma empresa ou uma instituição e quer exibir um filme autoral, gravado na nossa cidade e que fale sobre temas atuais e sociais importantes, pode nos contratar. Eu, diretor dos filmes, vou presencialmente em todas as sessões, promovo um debate, uma palestra, uma roda de conversa sobre o tema e é sempre muito rico.

Sem publicações!

Publicações somente aos domingos

Publicações

Não encontramos resultados para sua busca.

Revista digital