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Educar para a vida

EntrevistaEducar para a vida
Augusto Cury alerta para os efeitos da hiperconexão na saúde emocional. Autor de best-sellers e criador da Teoria da Inteligência Multifocal, ele fala sobre saúde mental, educação socioemocional e como os livros podem ajudar a recuperar o equilíbrio interior 
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Augusto Cury

Sobre o autor

Em um tempo em que a vida parece correr na velocidade dos feeds e notificações, o sofrimento psíquico tornou-se uma epidemia silenciosa. Ansiedade, insônia, irritabilidade, intolerância à frustração são sintomas comuns a uma geração hiperconectada que, paradoxalmente, perdeu o controle da própria mente. Para o psiquiatra, escritor e professor Augusto Cury, esse é o “mal do milênio”, e enfrentá-lo exige mais do que conhecimento técnico: exige autoconhecimento, inteligência emocional e uma profunda mudança na forma como educamos as futuras gerações.

Com mais de 45 milhões de livros vendidos em mais de 70 países, Cury é professor do programa de mestrado e doutorado na Universidade de São Paulo (USP) e também o criador da Teoria da Inteligência Multifocal, que estuda a formação do Eu, os papéis da memória e a construção dos pensamentos.

Em setembro, lançou seu mais recente livro, “Ansiedade digital: como enfrentar o mal do milênio”, publicado pela editora Gen Benvirá. A obra propõe reflexões e oferece ferramentas práticas para lidar com os impactos da tecnologia no funcionamento da mente humana.

De passagem por Rio Preto, onde realizou a palestra “Gestão da Emoção e Educação Socioemocional”, promovida pelo Colégio Objetivo, Augusto Cury concedeu a seguinte entrevista, na qual fala sobre os caminhos para uma mente mais saudável. Ele também compartilhou sua visão sobre a importância de formar líderes de si mesmos e o papel da literatura como instrumento de transformação pessoal.

Leia a seguir:

BE – O que o inspirou a seguir na área da inteligência e do desenvolvimento humano?

Augusto Cury – Minha trajetória vai além da psiquiatria. Ao longo de mais de três décadas, desenvolvi uma das poucas teorias que investigam a fundo o processo de construção dos pensamentos, o papel do Eu como líder da mente, a formação da consciência e os mecanismos conscientes e inconscientes da memória, além de um programa voltado à gestão da emoção.

Essa jornada me tirou dos limites dos consultórios de psiquiatria e psicoterapia e me levou a me preocupar por onde caminha a humanidade. Passei a me dedicar à busca por ferramentas que não apenas previnam transtornos emocionais, mas também promovam o desenvolvimento de habilidades socioemocionais. Entre elas, a capacidade de lidar com perdas e frustrações, gerenciar o estresse e, principalmente, não terceirizar nossa felicidade em função da opinião e da crítica dos outros.

BE – Quais são os maiores desafios que o senhor identifica hoje em relação à saúde mental da sociedade moderna?

Augusto Cury – Curiosamente, acredito que um dos principais desafios está na própria educação. A educação mundial tornou-se excessivamente cartesiana, racionalista e voltada para o exterior. Os professores, que considero os profissionais mais importantes do teatro social, estão inseridos em um sistema educacional adoecido. Há mais de 500 anos, desde que a escola se tornou pública, o modelo de ensino permanece o mesmo: o professor transmite conteúdo enquanto os alunos assumem uma postura passiva, como meros receptores.

Esse modelo ignora o prazer de aprender. Hoje, muitos alunos acreditam que sabem mais do que os próprios professores, mas não encontram motivação ou encantamento pelo conhecimento. Os professores, nesse contexto, acabam sendo como cozinheiros que preparam alimentos para uma plateia sem apetite.

BE – Qual deve ser o papel da escola e do professor diante desse cenário?

Augusto Cury – É fundamental que os professores deixem de ser apenas transmissores de conteúdo e se tornem provocadores da arte de questionar, desafiadores do pensamento crítico e incentivadores da autonomia emocional. A educação precisa formar líderes de si mesmos, e não apenas profissionais técnicos.

Essa abordagem puramente lógica e racional tem causado níveis alarmantes de estresse nos jovens ao redor do mundo. Eu sou professor em programas de mestrado e doutorado na USP e vejo isso de perto: alunos das áreas mais técnicas, como medicina, odontologia e engenharia, muitas vezes não sabem o básico sobre como conduzir a própria mente, como desenvolver autonomia emocional, reciclar pensamentos perturbadores ou liderar a si mesmos.

Ou seja, passamos anos na escola, mas saímos sem saber dirigir nosso próprio script mental. Uma educação que prepara apenas para o mercado de trabalho técnico, mas não para uma vida emocionalmente saudável, está falhando em sua missão mais essencial.

BE – Como o senhor acredita que podemos lidar de forma mais eficaz com as emoções? No seu último livro, “Me Chamo Milagre”, o senhor une literatura com uma profunda reflexão sobre a mente humana. O que o inspirou nessa obra?

Augusto Cury – Muitas das minhas obras estão sendo adaptadas para o teatro — atualmente, são quatro peças em cartaz, baseadas em quatro livros. Além disso, estou trabalhando no roteiro de “O Futuro da Humanidade”, que será transformado em um longa-metragem. Já tivemos adaptações como “O Vendedor de Sonhos” e, mais recentemente, “Me Chamo Milagre”, um livro que tocou profundamente as raízes do meu ser.

Nessa obra, eu mostro que a vida é um espetáculo único e irrepetível — mas que, infelizmente, pode facilmente se transformar em um espetáculo de terror. Isso acontece quando cobramos demais de nós mesmos, quando esperamos que os outros estejam sempre à altura de nossas expectativas, e quando não aprendemos a gerenciar nossos pensamentos.

Se a mente estiver constantemente agitada, tensa e superpreocupada, ela entra em estado de exaustão. E o resultado é grave: esgotamos o cérebro mais do que dois, ou até dez trabalhadores braçais. Por isso tantas pessoas acordam cansadas, com dores de cabeça, dores musculares, queda de cabelo, falhas de memória, dificuldade de concentração — são sintomas claros de um esgotamento cerebral sem precedentes.

BE – O senhor ainda atua em consultório atualmente?

Augusto Cury – Hoje, meu foco principal está na formação de profissionais da minha área. Tenho me dedicado a treinar psiquiatras, psicólogos, médicos e outros especialistas da saúde, compartilhando com eles ferramentas e conhecimentos que desenvolvi ao longo de décadas de atuação.

BE – E como o senhor enxerga o papel da literatura na promoção do conhecimento psicológico e da saúde mental?

Augusto Cury – A literatura tem um poder transformador. Ela pode se tornar um verdadeiro veículo de autoconhecimento, conduzindo as pessoas à viagem mais importante de todas: a jornada para dentro de si mesmas.

Um livro pode oferecer força ao cansado, esperança ao deprimido, coragem àquele que se sente quebrado, e lucidez ao pensador. Em muitos sentidos, os livros funcionam como bilhetes simbólicos, guiando o leitor até um dos endereços mais difíceis de se alcançar — o endereço da própria alma, o interior de si mesmo. E é ali, nesse espaço interno muitas vezes negligenciado, que reside a possibilidade real de cura, equilíbrio e transformação.

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