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DOCE INFLUÊNCIA

Coluna | TecnologiaDOCE INFLUÊNCIA
O morango do amor pode até desaparecer dos feeds em algumas semanas, mas o que ele revela sobre a dinâmica de consumo e influência no mundo digital é uma lição permanente

Ninguém planejou. Ninguém previu. Mas, de repente, o Brasil inteiro estava obcecado por um morango coberto por brigadeiro branco e uma casquinha vermelha crocante. O morango do amor virou febre nas redes sociais como se fosse uma descoberta revolucionária. Não era. A receita já circulava entre confeiteiras, mas bastou o vídeo certo — bem enquadrado, com a mordida no tempo exato e o som do “creck” estalando — para que o doce se tornasse um fenômeno nacional. Mais do que um sucesso de sabor, o morango do amor foi um sucesso de algoritmo.

O crescimento foi vertiginoso: de 11 mil pedidos em junho para mais de 275 mil em julho apenas no iFood. Em São Paulo, uma confeitaria vendeu 8 mil unidades em um único dia; no Rio, outra passou a fabricar 3 mil por jornada. Tudo isso impulsionado pela estética irresistível de vídeos curtos que transformaram uma sobremesa em uma experiência compartilhável. A viralização nas redes sociais não só moldou o desejo, como criou um novo comportamento de consumo, instantâneo, visual e profundamente conectado com o sentimento de pertencimento digital. Mais do que comer, era preciso mostrar que estava comendo. E isso bastava para esgotar os estoques.

Mas o ponto mais interessante do fenômeno talvez seja outro: diferentemente de outras febres digitais que impulsionaram grandes marcas e produtos industrializados, o morango do amor beneficiou milhares de confeiteiras e microempreendedoras. Em vez de concentrar a renda nas mãos de uma empresa gigante, a tendência espalhou oportunidade. Pequenos negócios, muitos deles tocados de casa, conseguiram surfar a onda, vender mais, ganhar visibilidade e, principalmente, capitalizar sobre um movimento que nasceu de forma espontânea, sem campanha publicitária, sem celebridade contratada. Era o público influenciando o público.

É claro que há um lado delicado nisso tudo. A forma como consumimos está cada vez mais determinada pelo que aparece no nosso feed, embalado em filtros, músicas em alta e formatos virais. O risco de desejos fabricados pelo algoritmo é real, e a velocidade com que uma tendência nasce e morre também pode engolir pequenos negócios que investem demais, tarde demais. O que hoje é febre, amanhã pode virar meme. E, ainda assim, há algo bonito e até promissor nesse novo cenário. A influência digital deixou de ser privilégio de grandes marcas e agências para se tornar uma alavanca de oportunidade real para quem está no balcão, com a mão na massa.

O morango do amor pode até desaparecer dos feeds em algumas semanas, mas o que ele revela sobre a dinâmica de consumo e influência no mundo digital é uma lição permanente. Estamos falando de uma cultura de desejo moldada por imagens e sons, mas que, paradoxalmente, pode abrir espaço para quem souber traduzir tendências em produto com agilidade. O doce do momento teve seu brilho, mas sua maior conquista talvez tenha sido lembrar que, no meio do barulho digital, ainda há espaço para o feito à mão. E que a internet, com toda sua força, pode sim dar palco para histórias doces e muito humanas.

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