Uma estética dos sabores
“A vida e a paixão de Dodin-Bouffant, gourmet”, de Marcel Rouff (1877-1936) foi publicado pela primeira vez em Paris, em 1924. Desde então, o romance teve 50 edições francesas. O livro era, porém, inédito, no Brasil, até 2024.
Um motivador para sua tradução e publicação foi, certamente, o filme dirigido pelo cineasta vietnamita Tràn Anh Húng, “O sabor da vida” (disponível no Prime Video). Vencedor do Prêmio de Melhor Direção, no Festival de Cannes de 2023, e ovacionado pela crítica internacional, o filme, uma adaptação livre do texto de Rouff, colocou holofotes no romance.
Marcel Rouff, suíço naturalizado francês, foi poeta, romancista, jornalista e gastrônomo. No último quesito, foi, junto com Curnonsky (o “príncipe dos gastrônomos”), um dos mais celebrados escritores de gastronomia da França. Criaram a Academia dos Gastrônomos (1928) e escreveram 28 volumes de um guia de pratos regionais, restaurantes e hospedarias francesas, feito considerado inovador para a indústria do turismo.
Em “A vida e a paixão de Dodin-Bouffant, gourmet”, Rouff cria a história de um jurista aposentado, grande apreciador da culinária, considerada por ele uma arte, junto da pintura e da música. Eugénie Chatagne era sua cozinheira e mantinha uma relação amorosa com Dodin há anos, recusando-se a qualquer compromisso formal com o jurista, em nome de sua liberdade pessoal. No início do romance, algo inesperado acontece com Eugénie e desestabilizará a vida de Dodin-Bouffant.
De enredo singelo, o romance é um convite a uma verdadeira viagem pela gastronomia. Trata-se de um traço do texto que mereceu, inclusive, um prefácio do tradutor, Pedro Vasquez, a explicar como lidou com tantos e tão diversos nomes de ingredientes, temperos, condimentos. Partilhamos, assim, de um universo rodeado por peculiaridade de sabores, texturas, combinações. Há, ainda, enfoque nas questões afetivas que envolvem os alimentos e seu preparo.
Chamou minha atenção uma “justificativa” que antecede a obra. Trata-se de uma reflexão assinada por Rouff sobre a viabilidade de publicação da história. Ele vivia o pós-Guerra e teria passado muito tempo se questionando se deveria editar o livro, iniciado “às vésperas da catástrofe”. “Alguns se sentirão no direito de condenar o que consideram minhas futilidades gastronômicas”. O livro finalizado se ampara, segundo ele, na crença de que “a cozinha é a arte do paladar, assim como a pintura é a arte da visão e a música, a arte da audição” e aponta para a intuição humana em combinar, harmonizar e dosar os sabores.
Se o argumento é fruto de uma crença genuína ou apenas uma maneira de justificar o tratamento de tema pouco relevante frente ao momento “catastrófico” que a humanidade vivia é escolha do freguês... Fica, porém, uma incrível viagem literária, que mexerá com os seus sentidos, seja no âmbito do estético, do gastronômico ou do ético!
A VIDA E A PAIXÃO DE DODIN-BOUFFANT, GOURMET
Marcel Rouff
Editora: Nova Fronteira (2024)
Páginas: 176
Preço: 25,90