Um romance noir de Olga Tokarczuc
“Sobre os ossos dos mortos”, da escritora polonesa Olga Tokarczuc (1962-), é um romance noir, gênero que se caracteriza por trazer histórias que misturam terror, mistério, elementos policiais, investigações que extrapolam o que é mais tradicionalmente associado ao crime.
Noir porque esse tipo de narrativa costuma ser ambientada à noite, em meio a casas sinistras e ruas solitárias. No romance de Tokarczuc, porém, o cenário é o Vale de Klodzko, uma região remota da Polônia, em meio a montanhas nevadas, com invernos longos e muito rigorosos. O cenário destoa do Noir mais óbvio, mas é tão funesto quanto a noite e seus mistérios.
É nesse local, enfim, que vive Janina Dusheiko, uma professora aposentada que estuda astrologia e trabalha na tradução da obra de William Blake junto com o ex-aluno Dísio. Com poucos amigos e fama de excêntrica, a sra. Dusheiko leva uma vida pautada pela rotina e pelo contato com a natureza e não esconde que prefere a companhia dos animais à dos homens.
Certo dia, um vizinho seu, membro do clube de caça local, é encontrado morto em casa. Este é o início de uma série de mortes de membros do mesmo clube, todas elas em circunstâncias semelhantes e misteriosas. Os corpos, sempre encontrados próximos a vestígios deixados por corças ou raposas, leva Dusheiko a desenvolver uma teoria. Os animais selvagens estariam se vingando dos homens. Suas ideias e o medo se espalham pela região, o que aumenta a fama de louca da personagem, que é a narradora da história.
O desenrolar da narrativa mostrará algo de subversivo e por vezes macabro no trato das ideias, em diálogo constante com o leitor. Diálogo subliminar, que é certo, provocativo e irônico, e que instaura reflexões sobre a natureza e nosso papel em meio a ela, os cuidados com os animais que dividem este planeta conosco, além de temas pertinentes à solidão, amizade, compaixão, empatia e eventualmente loucura.
A trajetória dessa personagem idosa e fragilizada por várias “moléstias”, como ela mesma diz, mostra um misto de vulnerabilidade e resistência. Não é fácil se opor ao grupo local, organizado em torno de propósitos socialmente instituídos e aceitos. Ainda mais sendo uma “velha lunática”, cujos amigos são uma jovem funcionária de brechó, que sofre de uma condição que faz com que não tenha pelo algum no corpo, um rapaz de aparência frágil e um vizinho a quem ela chama de Esquisito.
“Sobre os ossos dos mortos” mostra certo capacitismo em ação ao evidenciar o privilégio do modo de agir e de pensar dos seres tidos como “normais” e saudáveis”. Resta a subversão que se instala muda e discreta. Em luta contra a crueldade instituída.
Olga Tokarczuc é uma das maiores vozes da literatura polonesa contemporânea. É interessante conhecer essa autora, premiada com o Nobel de 2018!
Adriana Teles
Pós-doutora em literatura pela USP. Escritora e autora de diversos livros, dentre eles, Machado e Shakespeare, Intertextualidades (2017), Íris Negra e Dez Minutos no Museo (2023).
SOBRE OS OSSOS DOS MORTOS
Olga Tokarczuk
Editora: Todavia
Páginas: 256 (2019)
Preço: R$ 63,90 (Em sebos virtuais a partir de R$ 39,90)